AÇO E SORGO: DESENVOLVIMENTISMO SOCIALISTA E A FORJA DA CHINA
Coletivo Chuǎng
Tradução: Allan de Campos Silva
闯 Chuǎng: A imagem de um cavalo quebrando um portão. Significado: Libertar-se; Atacar; Romper, Forçar a entrada ou saída; Agir impetuosamente. 闯关 Chuǎngguān: Bloquear 闯 座Chuǎngzuò: Participar de uma festa sem ser convidado.
Nas últimas três décadas, a China passou de uma isolada economia planejada pelo Estado para um centro integrado de produção capitalista. Ondas de novos investimentos estão remodelando e aprofundando as contradições da China, criando bilionários como Ma Yun enquanto os milhões abaixo - aqueles que cultivam, cozinham, limpam e montam seus dispositivos eletrônicos - lutam para escapar do destino de um trabalho exaustivo sem fim. Mas à medida que a rica festa da China é cada vez mais generosa, os pobres começaram a derrubar os portões do salão de banquetes. 闯 é o movimento repentino quando o portão é quebrado e as possibilidades para um novo mundo emergem além dele.
O Blog da IK dá início a publicação do ensaio Sorgo e Aço: Desenvolvimentismo socialista e a forja da china, publicado originalmente no Chuǎng Journal (v.1) Dead Generations, de julho de 2016. Esta primeira parte do ensaio trata da invenção da China na modernidade: das dinastias Ming e Quing às contradições da modernização chinesa com a invasão japonesa na Segunda Guerra e as nacionalizações sob o Regime do Partido Comunista Chinês. Boa leitura!
TRANSIÇÕES
Em meados do século XIX foi publicado na Europa um dos primeiros extensos registros da vida na “China”. O autor, um mercenário português chamado Galeote Pereira, lutou ao lado de Ayutthaya contra os birmaneses na primeira guerra moderna no sudeste da Ásia continental. Ele se tornou um pirata no Mar da China Meridional, saqueando províncias costeiras no início daquilo se tornaria uma onda de pirataria que durou séculos, apoiada no crescimento do mercado global. A dinastia Ming reagiu por meio da “Campanha para Exterminar a Pirataria”, Pereira foi capturado em Fujian e exilado para o interior, escapando de volta à Europa anos depois através de suborno e ajuda de mercadores portugueses em Guangzhou.
O relato da sua experiência, editado e publicado com a ajuda dos jesuítas, foi um dos poucos em primeira mão sobre a "China" disponíveis desde a época de Marco Polo. Marco Polo vinha de uma Europa atrasada e provinciana para observar as operações internas da civilização mais avançada que o mundo tinha visto até então na forma da dinastia Yuan (Mongol). Pereira, por outro lado, vinha de uma Europa transformada e encontrou também uma "China" muito mudada, ambas à beira do grande caos que se aproximava.
Se há algum ponto de total indeterminação no nascimento do mundo capitalista, este período precisa ser considerado. Os dados haviam sido lançados, mas ainda não haviam parado. Com a maior frota naval, a tecnologia mais avançada e uma produtividade agrícola sem precedentes, a dinastia Ming era a maior e mais poderosa estrutura política do mundo. Em todos os sentidos, igualou e superou a Europa, e a questão da transição "fracassada" da China para o capitalismo (conhecida como o "paradoxo de Needham") se tornaria uma espécie de quebra-cabeça inicial para futuros estudiosos da região. Pereira havia chegado em meio à deterioração da Dinastia Ming, causada em parte pelas indústrias da prata espanhola e portuguesa, em parte pelas novas rotas comerciais de que ele próprio era um produto.
O ponto mais surpreendente, no entanto, do relatório de Pereira não era o xadrez histórico ou as descrições do floreado sistema judiciário Ming. O mais curioso é que entre todos os "chineses" com quem falou, ninguém tinha ouvido falar da "China", nem de nenhum dos seus supostos correlatos nativos (variantes de Zhongguo - o país "do meio" ou países "centrais"). Pereira viajou exclusivamente no que hoje é o Mar da China Meridional, cruzando as províncias de Fujian, Guangdong, Guangxi e Guizhou. Essas regiões eram o lar de uma miríade de "dialetos" locais, a maioria tão mutuamente incomunicáveis quanto às "línguas" europeias, muitas vezes centradas em laços locais e rotas comerciais que conectavam as regiões costeiras do Sudeste Asiático. Essas regiões não foram estabelecidas exclusivamente pela etnia "Han" - e até mesmo a existência de tal categoria foi recentemente questionada. Ao contrário, a região era lar dos Hui, Baiyue, She, Miao-Yao, Zhuang e vários outros grupos etnolingüísticos.
A "China" foi em grande parte uma criação da imaginação ocidental. As pessoas para quem Pereira perguntou tiveram dificuldade até mesmo em entender a questão de qual “país” eles eram, uma vez que não havia um conceito indígena análogo. Por fim, eles explicaram que havia apenas um governante, mas muitos países que ainda eram chamados por seus nomes antigos. A combinação desses países formou a "Grande Dinastia Ming", mas cada um manteve suas especificidades locais. Esse detalhe não passava de curiosidade quando o relatório foi publicado na Europa, que posicionou a "China" como o seu arcano, sua antiga contraparte - menos um nome para um país do que uma designação para os limites externos de sua própria expansão e colonização capitalista. Esses projetos tendiam a entrar em colapso no grande continente asiático, que se mostrou capaz de trocas maciças de mercadorias e prata, mas resistente a uma verdadeira incorporação à nova economia global. A "China" designava uma certa obstrução, uma exceção sinistra às novas regras estabelecidas no Ocidente.
Hoje, em uma economia global atingida por crises, a China é mais uma vez definida por suas exceções. Sua ascensão impressionante parece prometer uma fuga quase messiânica das décadas de declínio de crescimento: a miragem de uma nova América, complementada com o "sonho chinês" e a marca moral do confucionismo puritano do PCC [Partido Comunista Chinês]. Para o economista ocidental, esse fenômeno assumiria a forma de um obstinado sino-keynesianismo, à medida que novos projetos de infraestrutura são iniciados por instituições financeiras globais mais caridosas, como o Banco de Desenvolvimento da China, prometendo a salvação para a última retaguarda do mundo. No discurso oficial do Estado chinês, isso representa nada mais do que a lenta transição para o comunismo, com uma grande parada na fase do "socialismo com características chinesas", em que os mecanismos capitalistas são usados para desenvolver as forças produtivas até seja possível a riqueza geral.
Em ambas as narrativas, a China continua sendo uma exceção sombria e um tanto sinistra, apesar de sua plena incorporação à economia global. De alguma forma, parece não respeitar regras, diante de uma vaga intuição de que com uma população tão grande, um governo tão poderoso, uma concentração massiva de capital fixo, etc., os chineses possuiriam uma espécie de deus ex machina, para o drama do nosso atual declínio econômico global. O problema dessa leitura é o mesmo que Pereira enfrentou séculos atrás: o objeto em questão é ilusório. O mercenário entra no coração do império apenas para descobrir que o império não existe.
Um dos nossos principais objetivos por meio do Coletivo Chuang é dispersar essa miragem. Esperamos ver a China com clareza e tenacidade comunista. Mas a única maneira de entender a China contemporânea e suas contradições é começar com a questão da criação da "China" como tal. Aqui nossa história não começa com a chamada história antiga (como historiadores ocidentais e chineses tão firmemente querem acreditar), nem começa com o romance do projeto revolucionário chinês, alternadamente glorificado ou demonizado por aqueles de esquerda.
"China" é e sempre foi uma categoria econômica. A miragem ocidental do "Extremo Oriente" surgiu para designar a teimosa persistência de vários modos de produção não capitalistas no continente asiático. Após a "abertura" da China demonstrar as incoerências tardias do império Qing, nacionalistas do final do império, muitas vezes educados no Ocidente, construíram uma narrativa coerente de um estado-nação chinês através da história da região estendendo-se até a antiguidade. Este projeto foi continuado por liberais, anarquistas e comunistas. Uma vez que esta narrativa indígena da "China" nasceu em meio a um império mutilado, governado no papel por uma força "estrangeira" (os Machus) e, na verdade, por outra (o Ocidente), uma das principais características desta nação recém-imaginada como “China” foi a sua base na reprimida cultura Han e sua identidade étnica. A oposição aos Qing assumiu primeiro o caráter de uma restauração do governo Han, e novas organizações de resistência, como sociedades secretas, eram vistas como partidárias dessa essência nacional perdida, e seu bordão dizia: Fan Qing Fu Ming - Oposição aos Qing, Restaurar os Ming.
Mas quais eram os "Ming" que esses primeiros nacionalistas procuraram restaurar? Em certo sentido, essa demanda nos leva de volta àquela indeterminação fundamental - quando os dados da história ainda estavam voando no ar e parecia que a Grande Dinastia Ming, em vez da Europa Ocidental, poderia ter dado origem ao capitalismo com todo o seu sangue e glória. Ao mesmo tempo, "Restaurar os Ming" era uma espécie de promessa. Significou desenvolvimento alinhado ao Ocidente, a criação da "China" como uma entidade comparável (e em pé de igualdade) com as nações ocidentais que dividiram a região por meio de uma rede de acordos comerciais e portuários. Uma promessa que se concretizaria no século XX.
A história que contamos explica a centenária criação da China como entidade econômica. Ao contrário dos nacionalistas, não esperamos descobrir nenhuma linhagem secreta de cultura, idioma ou etnia para explicar o caráter único da China de hoje. Ao contrário de muitos esquerdistas, também não buscamos traçar o "fio vermelho" na história, descobrindo onde o projeto socialista "deu errado" e o que poderia ter sido feito para alcançar o comunismo em algum universo alternativo. Em vez disso, pretendemos mergulhar no passado para compreender nosso momento presente. O que a desaceleração do crescimento chinês prevê para a economia global? Que esperança, se houver, as lutas contemporâneas na China têm para quaisquer projetos comunistas futuros?
Nosso objetivo de longo prazo é responder a essas perguntas - compor uma visão comunista coerente da China, não turva pelo romance de revoluções mortas ou a histeria das taxas de crescimento rápido. A seguir, oferecemos o primeiro de uma história de três partes da emergência da China a partir dos imperativos globais da acumulação capitalista. Nesta edição, cobrimos a parte explicitamente não capitalista da história, a era socialista e seus precursores imediatos, que presenciaram o desenvolvimento da primeira infraestrutura industrial moderna na Ásia continental. A segunda seção, aborda a "Reforma e Abertura" iniciada no final dos anos 1970, terminando com a destruição da "tigela de ferro de arroz" durante a onda de desindustrialização dos anos 1990. A seção final, cobre o período que se seguiu a essa desindustrialização e segue até os dias de hoje, incluindo a transformação capitalista da agricultura e a formação do proletariado chinês contemporâneo.
Essa periodização não é arbitrária. Segmentamos esta história de acordo com a periodização global organizada pelo coletivo comunista anglófono Endnotes e de acordo com as principais mudanças no grau de incorporação da região aos imperativos de acumulação global. A primeira seção cobre o período não capitalista, no qual o movimento popular liderado pelo Partido Comunista da China (PCC) conseguiu destruir o antigo regime e interromper a transição para o capitalismo, deixando a região atolada em uma estagnação inconsistente compreendida no momento como "socialismo". O sistema socialista, a que nos referimos como “regime desenvolvimentista”, não foi um modo de produção nem uma “fase de transição” entre o capitalismo e o comunismo, nem entre o modo de produção tributário e o capitalismo. Já que não era um modo de produção, tampouco era uma forma de "capitalismo de estado", no qual os imperativos capitalistas eram perseguidos sob a direção do estado, com a função da classe capitalista simplesmente substituída pela hierarquia dos burocratas do governo apenas na forma e não na função.
Ao contrário, o regime desenvolvimentista socialista designa o colapso de qualquer modo de produção e o desaparecimento dos mecanismos abstratos (sejam tributários, filiais ou mercantilizados) que governam os modos de produção como tais. Nessas condições, apenas estratégias fortes pautadas pelo Estado foram capazes de impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas. A burocracia cresceu porque a burguesia não conseguiu. Dada a pobreza da China e sua posição relativa ao longo de um longo arco de expansão capitalista, apenas os programas de industrialização de um Estado forte, juntamente com configurações locais de poder resilientes, foram capazes de construir um sistema industrial. Mas construir um sistema industrial não é o mesmo que operar uma transição bem-sucedida para um novo modo de produção.
O sistema industrial não era imediatamente ou "naturalmente" capitalista. A história é fundamentalmente contingente. Na era socialista, os mercados não existiam como antes (sob o sistema imperial) ou como seriam no futuro (sob o capitalismo). O dinheiro existia nominalmente, mas não era guiado pelos imperativos mercantis do modo de produção tributário nem pelos imperativos de valor do sistema capitalista - ao invés, era o mero reflexo mecânico do planejamento estatal, que não era calculado de acordo com os preços, mas de acordo com a meras quantidades de produto industrial. O dinheiro não poderia funcionar como um equivalente geral. Enquanto isso, a renda era extraída no campo em forma de grãos através da "tesoura de preços", mas essa extração não refletia o sistema tributário imperial, nem resultou na desapropriação do campesinato e na privatização de terras agrícolas. Talvez o mais importante seja que o campesinato se fixou no lugar com mais firmeza do que em qualquer outro período da história chinesa. A divisão rural-urbana que se formou naqueles anos se tornaria um aspecto fundamental do regime desenvolvimentista. Não houve urbanização substancial sob o socialismo, exceto aquela causada pela reconstrução imediata do pós-guerra. O crescimento populacional dirigindo uma transição demográfica (situação na qual a população agrícola rural é suplantada por trabalhadores urbanos na indústria e nos serviços) não ocorreu.
Enquanto isso, não havia evidências de qualquer transição para o comunismo, que permaneceu apenas como um horizonte ideológico. A força de trabalho se expandiu, a jornada de trabalho tendeu a aumentar, e a socialização da produção criou unidades produtivas locais autárquicas e atomizadas, permitindo a vida coletiva em pequena escala, sem com isso dar lugar a nova sociedade comunal que havia sido prometida. A liberdade de movimento diminuiu à medida que as crises se proliferaram, duas classes distintas de elite se formaram, a divisão rural-urbana se ampliou e a classe dos trabalhadores despossuídos começou a se formar nas últimas décadas desse período. Greves e outras formas de descontentamento proliferaram, culminando na "curta" Revolução Cultural de 1966-1969, cuja supressão acabaria por levar a uma transição capitalista completa.
Ao longo do período revolucionário e até o final da década de 1950, nos referimos a esse processo como um "projeto comunista". Este projeto foi incrivelmente diverso ao longo de sua existência e sempre foi definido por seu status de movimento de massa com profundas raízes populares. No início, os fundamentos teóricos e a direção estratégica eram predominantemente anarco-comunista. Ao longo do caminho, a visão e a estratégia particulares do PCC ganhou a hegemonia - mas isso também significou que o próprio PCC absorveu parte da heterogeneidade do movimento, que assumiria a forma de facções (e expurgos) dentro do próprio partido. No entanto, essa hegemonia não foi uma imposição ao movimento. Foi o resultado de um mandato popular conferido ao PCC, parte integrante da formação bem-sucedida de um exército camponês e de um movimento clandestino de trabalhadores durante a ocupação japonesa.
O PCCh manteve sua hegemonia sobre o projeto comunista nos primeiros anos do pós-guerra, liderando campanhas populares de redistribuição no campo e reconstruindo as cidades. Com os fracassos do final dos anos 1950 (fomes no país e greves nas cidades costeiras), não só o mandato popular do PCCh foi questionado, mas o próprio projeto comunista começou a ossificar. À medida que a participação popular foi se desfazendo como resposta a esses fracassos, o que havia sido um projeto comunista de massa se reduziu aos seus fins: o regime desenvolvimentista. Esse regime só poderia ser mantido com a intervenção cada vez mais ampla do partido, que se fundiu com o Estado (como aparelho burocrático administrativo de fato) e separou seu par com o projeto comunista.
No entanto, mesmo no auge de sua diversidade, esse projeto foi definido em última instância por um horizonte comunista particular que emergiu da combinação do movimento dos trabalhadores europeus e da própria história da região com revoltas camponesas milenares. Hoje, esse horizonte comunista não existe mais. Não faz sentido “tomar partido” em questões históricas, simplesmente porque não há simetria entre passado e presente - as condições materiais (rápida expansão industrial, grande periferia não capitalista, etc.) que estruturaram aquele horizonte comunista primitivo agora estão ausentes, mesmo que as crises do capitalismo permaneçam. Não há dúvida se os comunistas de hoje enfrentarão os mesmos problemas - os problemas são outros. Em seu lugar, resta apenas a questão de como o comunismo e a estratégia comunista podem ser concebidos sem esse horizonte.
Para os comunistas de hoje, entre os quais estamos incluídos, a prática, a estratégia e a teoria do PCCh (bem como outras dentro desta corrente comunista histórica) parecem estranhas na melhor das hipóteses e aberrantes na pior. Apesar dos severos limites materiais dessa época, podemos dizer claramente que muitas ações do PCCh são simplesmente injustificáveis. Outras ações são arcanas ou incompreensivelmente super confiantes. Mas esses julgamentos de valor fazem pouco sentido analítico. Numerosos relatórios já foram escritos sobre esta era, descrevendo-a em termos de comunistas "falsos" traindo comunistas "reais", ou simplesmente como o produto de líderes zelosos e ambiciosos. A história que estamos revisando não é a história da moralidade. Para nossa abordagem materialista, questões de traição ou retidão têm a menor relevância. O projeto comunista chinês foi um fenômeno coletivo, criado pelos esforços e apoio de milhões. Tentamos escrever uma história desse projeto coletivo e seu declínio final.
Para esses fins, nosso objetivo é também explicar a era socialista chinesa, em vez de abordar questões do socialismo do século XX em geral. Estudos comparativos de diferentes projetos revolucionários valeriam a pena, mas esses estudos requerem medidas justas de comparação. Hoje, a literatura sobre a China e outros estados socialistas é fortemente moldada pela experiência russa. Uma de nossas teses fundamentais é simplesmente que a China não é a Rússia. Embora influenciadas pela experiência russa, as tentativas chinesas de emulá-las nunca foram completas, além de terem sido aplicadas em um contexto fundamentalmente diferente. Mais importante ainda, o próprio ponto de referência russo também estava constantemente em movimento, e os chineses frequentemente recorriam a vários períodos da história russa para elaborar as suas próprias formas de gestão empresarial e planejamento industrial.
Além disso, a geografia da influência russa era desigual. Fora do coração industrial do Noroeste, a produção chinesa foi mais fortemente moldada por outros sistemas de gestão empresarial, planejamento econômico e administração estatal. Se os chineses tomaram a Rússia como modelo, também herdaram vários outros modelos - da era imperial, do regime nacionalista da era republicana, dos japoneses e das empresas ocidentais nas cidades costeiras. Todas essas influências foram combinadas em tentativas conscientes de criar uma nação distintamente "chinesa", por meio de uma economia nacional unificada. O resultado foi um sistema mais descentralizado e mais desigual do que o sistema visível na propaganda da época.
Outra de nossas teses fundamentais é que há uma grande diferença entre o que a China socialista disse ter feito e o que de fato fez. Grande parte da literatura atual (acadêmica e de esquerda) usa informações não confiáveis obtidas de fontes duvidosas. Baseia-se em evidências desatualizadas reunidas em uma época em que havia ganhos ou perdas políticas com base na "linha" assumida em questões como a Revolução Cultural. O método básico usado nessa literatura é idealista. A propaganda é examinada como se fossem descrições factuais do sistema industrial. As fábricas modelo são descritas como se fossem o espelho das fábricas reais. Espera-se que o mito do socialismo chinês corresponda, um a um, à composição atual da sociedade chinesa. A China torna-se novamente uma espécie de miragem, desta vez reformatada para as novas coordenadas da guerra fria. O resultado é uma versão da China Socialista de Potemkin, difamada por um lado e mantida como uma das poucas luzes cintilantes na escuridão de um século perdido.
Hoje também não fazemos apostas. Nossas únicas apostas são aquelas colocadas pelo nosso momento presente: uma China que é central para a economia global, mas também atingida por suas crises, seu crescimento desacelerado, sua população posicionada entre um futuro ausente e um passado inatingível. Se essas são as apostas reais, então elas merecem uma análise histórica digna delas. Nosso objetivo é usar as medições mais concretas e confiáveis possíveis para contar uma história materialista da China. A mitologia socialista representada na propaganda, nas cerimônias populares e nos costumes cotidianos, não é ignorada, mas relegada ao seu real significado: a de um projeto ideológico que assume a resiliência de uma religião, capaz de expressar certas esperanças, medos e verdades sociais, mas incapaz de descrever a economia realmente existente. Nosso foco está em números concretos, novas evidências desclassificadas e uma constelação de etnografias e projetos de pesquisa de arquivo mais confiáveis.
O resultado, esperamos, é a imagem da China socialista como ela realmente era, nem um deserto totalitário nem o reino divino. A nação que ilustramos abaixo não é a "China de Mao" em nenhum sentido que essa frase pode assumir O projeto construído por milhões de pessoas e seu resultado final (embora não determinado historicamente) é a China que vemos hoje - uma China que sustenta a economia global desde suas raízes em desintegração. Uma China, que esperamos, também será desfeita por outros milhões de pessoas dos povos da China, junto com bilhões de outros a desfazer as suas milhares de nações, e com ela esta economia que leva cada indivíduo a tudo e tudo a nada.
NOTAS
[1] Cf: Will Fletcher, "Thousands of genomes sequences to map Han Chinese genetic variation" Bionews, 596 (30 de novembro de 2009), <http://www.bionews.org.uk/page_51682.asp>
[2] Cf: O relatório original de Pereira: Boxer, Charles Ralph; Pereira, Galeote; Cruz, Gaspar da; Rada, Martín de (1953), Sul da China no século XVI: sendo as narrativas de Galeote Pereira, pe. Gaspar da Cruz, O.P. [e] Fr. Martín de Rada, O.E.S.A. (1550-1575), Edição 106 de Obras publicadas pela Hakluyt Society, Impresso para a Hakluyt Society (Inclui uma tradução para o inglês do relatório de Galeote Pereira, do original em português que não havia sido publicado até 1953, com comentários de C. R. Boxer). Cf. também o ensaio de Arif Dirlik sobre a criação de "China / Zhongguo" para uma visão mais ampla desta história: Arif Dirlik, "Born in Translation, 'China' in the Making of 'Zhongguo'", Boundary2, 29 de julho de 2015. <http://boundary2.org/2015/07/29/born-in-translation-china-in-the-making-of-zhongguo/#sixteen>
[3] Para uma visão geral desta tendência na história esquerdista, veja: Endnotes 4, Unity in Separation, outubro de 2015, Bell & Bain, Glasgow, pp. 73-75.
[4] Para os exemplos recentes mais amplamente lidos disso, consulte: Chino, "Bloom and Contend: A Critique of Maoism," Unity and Struggle , 2013, e Loren Goldner, "Notes Toward a Critique of Maoism", Insurgent Notes, Edição 7, outubro de 2012.
PRECEDENTES
As últimas dinastias
O desenvolvimento na era imperial não começa com a estagnação da chamada "China tradicional". O Estado Imperial, muitas vezes em competição a elite latifundiária, intervinha periodicamente na sociedade rural, sempre reformando seu caráter social. Em uma das últimas intervenções significativas (inaugurando o período imperial tardio), a dinastia Ming (1368-1644) tentou criar um campesinato independente para eliminar rivais no controle da produção rural excedente e estabilizar a sociedade. Para fazer isso, a terra foi cedida aos camponeses, embora não tão equitativamente como se pretendia originalmente. Nessa época, como em grande parte da história da região, os camponeses não eram apenas agricultores: eles cultivavam, mas também realizavam trabalhos manuais, principalmente na tecelagem de seda ou roupas de algodão. E o estado Ming, como no reinado das dinastias anteriores, encorajou essa produção dupla ao exigir o pagamento de impostos sobre grãos, tecidos e trabalho.
A natureza dual da produção rural durou até o estágio socialista inicial, quando a coletivização a encerrou. Notavelmente, a produção manual permaneceu rural em um grau maior e por muito mais tempo do que na Europa. [1] A natureza urbana da produção na Europa tornou-a mais intensiva em capital. Enquanto a produção nas dinastias Ming e Qing tendia para a ruralidade e para o trabalho manual, ao longo do mesmo período a Europa tendia para o urbano e o capital. [2] Isso significava que a divisão urbano-rural era mais fraca nas eras Ming e Qing, e a produção mais difusa. Na verdade, de meados do século XIII ao século XIX, a população urbana diminuiu em relação à população rural. Na Europa, acontecia o oposto. [3]
No continuum urbano-rural comum ao continente asiático, numerosas aldeias circundavam uma cidade mercantil (shi). Em dias de mercado, camponeses, mercadores e a alta burguesia iam para as cidades e aos poucos as dinastias Ming e Qing foram se ligando à economia global. Cidades administrativas maiores e mercados intermediários (zhen) se desenvolveram ao longo da comercialização da Era Ming, mas uma separação urbana-rural acentuada só surgiu no século XX, em grande parte como resultado das políticas da era socialista. [4]
À medida em que a produção cresceu no final do período imperial, também crescia o excedente rural, as trocas regionais e as trocas gerais em todo o império. Isso evoluiu para uma revolução comercial Ming que trouxe um aumento na desigualdade na posse da terra rural. Com a comercialização, o sistema tributário tornou-se muito complexo de manter, e o Estado passou a demandar impostos em prata em vez de em produtos. A sociedade rural Ming tornou-se dominada por essa espécie de pequena aristocracia rural, que era particularmente forte no sul desenvolvido. Essa classe arrendou a terra ou se envolveu como administradora na agricultura de grande escala, muitas vezes usando trabalhadores e camponeses que haviam perdido suas terras e não podiam mais sobreviver independentemente na economia mercantil. Com a comercialização da indústria de trabalho manual rural, o controle do trabalho forçado feminino tornou-se cada vez mais importante financeiramente para as fazendas administradas. Desenvolveu-se uma forma de "patriarcado de senhorio", em que as propriedades comandavam o trabalho feminino ao mesmo tempo que seu casamento e sexualidade. [5]
Com a comercialização, os arrendamentos tornaram-se cada vez mais impessoais e os proprietários ficaram mais pobres. A aristocracia Ming se mudou para as cidades como proprietários absenteístas, especialmente no sul. A pobreza rural levou a mais migração e ao colapso geral do controle Estatal sobre a sociedade rural e sobre a arrecadação de impostos. O sistema Ming inicial se desintegrou essencialmente sob a pressão da comercialização, e sua tentativa de criar uma economia campesina de pequena escala terminou em fracasso.
Com o enfraquecimento do Estado Ming no final do século XVI, os camponeses começaram a resistir ao arrendamento e em muitas regiões isso levou à rebelião. Novas críticas radicais e críticas milenares à "busca do lucro" surgiram ao lado de ideais comunitários e igualitários. [6] Essas lutas camponesas forçaram a aristocracia latifundiária a assumir uma posição mais fraca e levaram à expansão dos direitos dos arrendatários em muitas áreas da China, transformando a posse da terra da Era Ming à Qing (1644-1911). Em grande parte, teve fim a escravidão e a posse patriarcal.
Como resultado da posição fortalecida do campesinato arrendatário, os investimentos em terras arrendadas trouxeram menos retornos aos proprietários, de acordo com certas estimativas no século XIX, raramente ultrapassando 8% antes dos impostos, certamente menores do que o que poderia ser feito com o investimento no comércio ou na usura. [7] O tamanho dos campos diminuiu desde a época do final da Era Ming, e já no início do século XX existiam poucas fazendas administradas. A posse da terra patriarcal transformou-se família camponesa patriarcal. [8] A família camponesa patriarcal preocupava-se principalmente com o controle do trabalho doméstico, e a lógica econômica dessas unidades de produção familiar visava satisfazer a subsistência da família. Como não era possível dispensar os trabalhadores, havia uma tendência de continuar agregando-os até que o consumo necessário fosse atingido, mesmo que a produtividade marginal após a inclusão daquela obra continuasse diminuindo. Nessas condições, a racionalidade camponesa "era a racionalidade da sobrevivência, não a da maximização do lucro". [9] A produtividade do trabalho agrícola estava em grande parte estagnada e o aumento da produção era o resultado da intensificação do trabalho. Em vez de aumentar a produtividade do trabalho e o desenvolvimento econômico, enquanto a produção aumentava, a produtividade do trabalho diminuía, um processo denominado "involução". [10]
A pequena aristocracia rural mudou suas estratégias em resposta à resistência e à rebelião dos camponeses na época da transição entre as Eras Ming e Qing, lucrando mais com o comércio e a usura do que com o arrendamento da terra. Em outras palavras, o trabalho camponês era controlado pela família patriarcal e não pela pequena aristocracia e a elite que controlava os mercados rurais extraia excedentes das famílias de camponeses. Essa mudança transformou a maneira pela qual a pequena aristocracia rural e o falecido Estado imperial tentavam controlar a extração de excedentes durante a Era Qing. Em vez de se concentrar no arrendamento da terra, a pequena aristocracia comprava os excedentes produzidos pelos camponeses e os vendia para as famílias que os processavam, depois comprava dessas casas e vendia para mercados urbanos principalmente regionais, com uma pequena parte chegando aos mercados internacionais. Nesta caso não se conformou uma divisão do trabalho do tipo putting-out, [ou sistema doméstico] como o visto na Europa. [11]
Anteriormente a Era Ming, a maioria das famílias rurais não se voltava para os mercados, em vez disso produzia uma variedade de bens de subsistência e depois vendia um pequeno excedente para a pequena aristocracia rural, que então revendia esses produtos como mercadorias. Mas, com o aumento da comercialização e especialização, mais famílias começaram a se concentrar na produção de bens sem aturmanar a produção de subsistência para unidades familiares: uma situação de comercialização sem desenvolvimento. [12] Com o passar do tempo, muitos passaram a satisfazer suas necessidades reprodutivas por meio de compras no mercado, com áreas que produziam bens mais sofisticados e compravam em mercados rurais para áreas periféricas. Mas era a pequena aristocracia rural que controlava esses mercados.
Nessa situação, a aristocracia rural raramente interveio na produção ou no próprio processo de trabalho, eles simplesmente compravam barato e vendiam caro. Eles controlavam o acesso aos mercados e ao capital, mas não o processo de produção. A extração de excedentes era feita por uma alta burguesia, ou seja, pouco se importava com a produtividade relativa do processo produtivo e, portanto, não se investia na transformação da produção. Além disso, sob este sistema de trabalho intensivo, quase toda a economia permaneceu rural. [13] A economia imperial tardia carecia de uma classe burguesa urbana comparável à da Europa que transformasse os excedentes rurais da revolução agrária em desenvolvimento capitalista. [14] Qualquer que seja o excedente extraído - a quantidade exata é objeto de muito debate - [15], ele não era facilmente direcionado para o desenvolvimento de uma produção cada vez mais intensiva em capital que aumentaria significativamente a produtividade do trabalho.
De casa para o mercado global
Do final do século XIX à década de 1930 as áreas mais desenvolvidas da agricultura chinesa foram formalmente subsumidas [16] ao mercado capitalista global. Naquela época, as áreas rurais da China, especialmente as cidades costeiras, estavam vinculadas a um novo mercado global de fixação de preços para mercadorias agrícolas conhecido como "o primeiro regime alimentar global". Comerciantes estrangeiros, seus agentes e mercadores chineses espalharam-se nesse continuum urbano-rural, transformando os mercados e espremendo os produtores camponeses. A onda de comercialização desde a Era Ming, junto com a subsunção dos mercados rurais ao capitalismo global, fez com que, na década de 1930, em muitas áreas até 40% da produção agrícola fosse parar no mercado, chegando a até 50% nas regiões mais desenvolvidas. [17]
Embora os mercadores e a aristocracia comerciante muitas vezes saíssem bem com a integração entre os mercados chinês e internacional, o resultado para as famílias camponesas foi mais heterogêneo. No entanto, os níveis de consumo rural não ficaram muito abaixo dos residentes urbanos, estimando-se que atingissem 81% do consumo urbano médio na década de 1930, taxas que provavelmente duraram até meados da década de 1950, embora isso provavelmente diga mais sobre a fragilidade da economia urbana do que no poder da economia rural. [18] Os efeitos da integração dependiam das especializações produtivas. Os produtores de chá, por exemplo, sofreram desde a década de 1880 em diante, quando as plantações britânicas no sudeste da Ásia entraram a todo vapor. Na indústria têxtil de algodão, os tecelões tinham dificuldade em competir com estrangeiros que teciam à máquina. Em contraste, a importação de um fio tão barato inicialmente permitiu que os tecelões tivessem um bom desempenho, e somente com o passar do tempo eles também tiveram problemas crescentes no mercado. As instalações de tecidos industriais de propriedade estrangeira localizadas ao longo da costa - a maioria construídas por volta da virada do século - começaram a avançar sobre o mercado manufatureiro. Obtendo grande parte da sua matéria-prima no exterior, a indústria levou em parte à desintegração inicial do continuum urbano-rural.
O mercado internacional emergente de mercadorias agrícolas começou a entrar em colapso após a Primeira Guerra Mundial, devido primeiro à própria guerra e depois ao declínio do comércio durante a Grande Depressão. Isso levou às primeiras tentativas de construir uma economia capitalista nacional na China. Por volta de 1930, o setor industrial (manufatura, têxteis, mineração, serviços públicos e construção) ainda constituía apenas 7,5% da economia chinesa, a agricultura empregava cerca de 80% da população ativa, o consumo das famílias correspondia a 90% da renda nacional e o comércio internacional ainda era relativamente pequeno. [19] Durante esta nova fase, o Partido Nacionalista (Kuomintang, ou GMD), que havia assumido grande parte da China no final dos anos 1920, tentou completar a transição capitalista e construir uma economia nacional criando uma ligação mais forte entre as instalações industriais nas cidades costeiras e as matérias-primas produzidas na China rural. Já no início dos anos 1930, as facções do GMD perseguiram conscientemente o modelo fascista italiano de independência e produtivismo para reintegrar as esferas rural e urbana. Isso implicava um forte controle governamental sobre os mercados internos e a cooperação entre o estado e o setor privado na industrialização. No entanto, essas políticas foram minadas pela fraqueza administrativa, pelo foco do líder do GMD Chiang Kai-shek no desenvolvimento militar e pela subsequente invasão japonesa da costa chinesa em 1937, que inaugurou a Segunda Guerra Mundial na Ásia. [20]
Apesar de seus problemas, a agricultura provavelmente ainda produzia um superávit em relação aos níveis de consumo em 1930, embora provavelmente muito baixo. Mesmo assim, a economia se estruturou de forma que esse valor não fosse "mobilizado pelo investimento" em um processo de industrialização. [21] A subsunção desigual de mercados regionais pré-existentes sob o capitalismo global levou a uma paisagem econômica desintegrada, e nenhuma economia "chinesa" real surgiu. A tentativa do GMD de construir uma economia nacional na década de 1930 fracassou com a derrocada para a guerra. A formação de uma economia nacional aliada ao aumento da extração da mais-valia absoluta eram problemas que o regime de desenvolvimento socialista pretendia superar com a institucionalização de uma nova relação urbano-rural que começou a surgir na década de 1950, e que romperia definitivamente o continuum urbano-rural.
Partido, cidade, camponeses
Já na época da invasão japonesa, o GMD encontrou sua principal oposição na forma do exército camponês mobilizado por um reinventado Partido Comunista Chinês (PCCh). Mas o próprio PCCh havia surgido décadas antes, nascido do mesmo meio intelectual tumultuado do GMD, ambos haviam surgido como organizações urbanas. O congresso de fundação do PCCh em 1921 foi originalmente idealizado para acontecer em Xangai. Interrompido pela polícia, ele teve que se mudar para o norte, para Jiaxing, onde doze delegados fundaram o PCCh como um braço da Internacional Comunista. À medida que esse antigo PCCh cresceu, permaneceu principalmente como uma iniciativa urbana, composto de intelectuais e trabalhadores industriais. Seis anos após sua fundação, foi novamente em Xangai que esta primeira encarnação do PCChh teve um fim violento. Em uma aliança entre a Rússia e o GMD, os revolucionários assumiram o controle das principais cidades da China em uma série de levantes de trabalhadores. Depois que a vitória foi assegurada com o sucesso da insurreição de Xangai em 1927, o GMD se voltou contra os comunistas, prendendo 1.000 membros do PCCh e líderes sindicais locais, oficialmente executando cerca de 300 e desaparecendo outros milhares. [22]
O "Massacre de Xangai" deu início à destruição nacional do movimento comunista urbano. Os levantes em Guangzhou, Changsha e Nanchang foram esmagados. Em um período de vinte dias, mais de vinte mil comunistas em todas as províncias do sul da China foram presos e sumariamente executados. No total, no ano após abril de 1927, cerca de trezentas mil pessoas morreram na campanha de extermínio anticomunista do GMD. [23]
Os únicos fragmentos sobreviventes do PCCh foram suas bases no campesinato. Na época da conclusão da Longa Marcha, sete anos depois, o Partido havia se recomposto recrutando camponeses, expropriando terras e concentrando sua agitação nas tensões há muito sustentadas no comércio no campo, expandindo assim sua base rural. Transformado em um exército camponês, o novo Partido administrou apenas uma ala urbana marginal e subterrânea, mesmo depois de recuperar a influência nacional. À medida que mais e mais territórios caíam sob o controle comunista nos quinze anos entre a invasão japonesa e a expulsão do GMD pela Guerra Civil, o PCCh se viu assumindo o controle de áreas urbanas nas quais tinha pouca ou nenhuma influência orgânica - seu elo urbano anterior tendo sido meticulosamente destruído pelo massacre nacional de vinte anos atrás. A essa altura, o próprio Partido havia se transformado, seu aparato organizacional estava fundamentalmente fundido com a operação de um exército camponês e as exigências de uma administração rural. Depois de percorrer um longo caminho da cidade para o campo, o Partido agora retornava como um estranho.
Capital estrangeiro e cidades portuárias
As cidades para as quais o PCCh retornou no decorrer da guerra eram muito diferentes daquelas que ele havia deixado. Entre 1902 e 1931, o investimento estrangeiro quadruplicou. [24] Antes da Guerra Sino-Japonesa em 1936, o capital estrangeiro foi estimado em 73,8% do capital industrial total da China. [25] A maioria das empresas de grande porte foi fundada por investimento estrangeiro. Mas mesmo essa quantidade de investimento estrangeiro não significou muito inicialmente. Pesquisas realizadas pelo governo sob o regime do GMD constataram que "entre 1929 e 1933, apenas 250 unidades podiam ser registradas como fábricas modernas" e "em 1933, das 18.708 fábricas privadas, apenas 86 eram empresas com mais de mil trabalhadores [...] 16.273 tinham menos de trinta trabalhadores.” [26] Essas fábricas “modernas” respondiam por uma pequena porção do emprego anterior à guerra na China e por uma modesta fração da produção industrial, apesar da grande parcela do capital industrial: apenas 28%, com os restantes 72% produzidos pelas pequenas oficinas de trabalho manual, muitas vezes rurais, que constituíam a maior parte da estrutura industrial do pré-guerra. [27]
Isso não quer dizer que a indústria da China antes da guerra nas cidades fosse necessariamente ineficiente ou desatualizada. Apesar de não estar organizada em grandes conglomerados industriais centralizados, as próprias redes de negócios descentralizadas da China, compostas por pequenas empresas e produtores de manufaturas, destacaram-se por sua capacidade de serem incorporadas a empresas comerciais estrangeiras e de superar os produtos da concorrência estrangeira no mercado (e em determinadas circunstâncias, mesmo em mercados internacionais). Embora em alguns lugares eles remetessem à Dinastia Song do Sul e significativamente revividos sob a dinastia Qing, essas redes de produção de base urbana não eram de forma alguma avessas à transformação tecnológica.
A produção manufatureira nas cidades dos períodos Qing e Republicano foi capaz de absorver novas técnicas e maquinários, mantendo seu caráter de produção em pequena escala e operação em rede. Tanto o governo oficial do GMD quanto os chefes militares, de fato independentes como Chen Jitang, se engajaram em campanhas de industrialização em cidades como Guangzhou, Nanjing e Chongqing (a capital dos nacionalistas em tempo de guerra), mas essas campanhas parecem ter principalmente se reforçado e expandido antes - redes de produção existentes, reforçando-as com novos insumos tecnológicos, em vez de simplesmente substituí-las por fábricas mais “modernizadas”. [28]
Essas redes fabris flexíveis e distribuídas administrativamente compunham o fundamento da construção das cidades portuárias chinesas, onde o trabalho "coolie" [Coolie é um termo usado historicamente para designar trabalhadores braçais oriundos da Ásia, especialmente da China e da Índia, durante o século XIX e início do século XX] havia se tornado a figura central tanto na própria produção quanto na miríade de serviços necessários para manter a indústria de exportação funcionando - este trabalho coolei era, em muitos casos, pouco mais do que escravidão, semelhante às formas de escravidão usadas nas outras fronteiras do capital. O mercado de trabalho chinês incipiente estava especialmente apto a facilitar a implementação e venda desse tipo de força de trabalho, tanto para cidades como Guangzhou quanto para o exterior, onde os coolies podiam ser encontrados, seja colhendo cana-de-açúcar em plantações cubanas, seja construindo trilhos através das Montanhas Rochosas nos EUA, seja na mineração de prata no Peru. Práticas como essas marcaram claramente o início da transição da China para o capitalismo. Essa transição assumiu uma forma quase colonial, com pequenas porções do país diretamente subordinadas aos imperativos capitalistas, mesmo quando a demanda internacional começou a exercer uma forte atração gravitacional sobre a produção doméstica. A disciplinarização e a venda da força de trabalho eram parte desse processo.
Mas isso não assumiu imediatamente a forma "moderna". Em vez disso, o período Republicano havia herdado o sistema de “Supervisão Oficial e Administração Comercial” (guandu shangban). Projetado para uma época em que os comerciantes se separavam da classe dominante formal composta pelos estudiosos confucionistas, o sistema guandu shangban subordinou os interesses econômicos dos comerciantes aos interesses políticos dos oficiais-acadêmicos. No período Republicano, o colapso da burocracia imperial e o surgimento de empresários-comerciantes significativamente mais poderosos perturbou essa prática sem anulá-la completamente. Vários funcionários se tornaram empresários desde então, à medida que a burocracia do GMD fornecia uma nova, embora transformada, sanção oficial para o desenvolvimento industrial em uma era de "capitalismo burocrático". [29]
Os proprietários formais de fábricas e oficinas (incluindo os capitalistas chineses) raramente estavam muito interessados nos detalhes de seus investimentos, desde que continuassem a gerar lucros. Assim, era comum a contratação de terceiros para atuarem como administradores técnicos e administrativos. Mas mesmo esses administradores não eram diretamente responsáveis pela produção:
“Os administradores, contratados para gerar lucro, eram avaliados de acordo com os resultados, independentemente dos meios utilizados para obtê-los. Eles eram os intermediários entre os trabalhadores, proprietários e seus aliados do governo. A lealdade ao proprietário era muito mais importante do que a concorrência. Portanto, os gerentes tiveram que delegar autoridade operacional primária a trabalhadores com qualificações específicas e mais experientes, conhecidos como chefes de turma. ” [30]
Muito do trabalho do dia-a-dia nas fábricas ou portos era administrado pelos próprios trabalhadores. Esses trabalhadores se organizavam em unidades independentes que, por sua vez, eram acopladas em uma hierarquia descentralizada, com o "chefe de turma" (batou) ou empreiteiro atuando como um nó dessa rede, sendo diretamente acessível aos administradores. Para esses gerentes, os detalhes técnicos do próprio trabalho eram estranhos, sem falar que em muitos casos eram literalmente estrangeiros, incapazes até de falar com os trabalhadores do fim da cadeia. Tudo isso, é claro, era enfeitado com a brutalidade previsível, na qual gerentes ricos vinham supervisionar suas fábricas em carruagens forradas de veludo carregados por coolies. Ademais, os gerentes recebiam salários mensais trezentas vezes mais altos do que os próprios trabalhadores.
Junto com o chefe da turma e o empreiteiro de trabalhadores também estavam os mestres de corporação e as sociedades secretas. Embora muitas vezes inicialmente fundadas sob a era Qing como organizações rebeldes de um tipo ou de outro, sob os nacionalistas as corporações e sociedades secretas assumiram a forma de organizações criminosas. Cada uma também ajudou a construir as formas de controle do trabalho que se desenvolveu neste período inicial da integração capitalista. As corporações diminuíram a ênfase na arte de seus negócios em busca de contratos lucrativos. “Eles se voltaram para as novas construtoras capitalistas cujos gerentes, os mestres de corporação, contratavam pessoas por salários que logo eram devolvidos à corporação na forma de taxas de filiação [...] Era comum o uso da brutalidade para fazer cumprir o monopólio da corporação na contratação e construção” [31]
As sociedades secretas, tornadas ilegais durante a época Qing, ajudaram a dar corpo à revolução republicana de 1911 e, em troca, foram autorizadas a operar livremente durante esse período. Isso transformou fundamentalmente o papel das sociedades secretas e encerrou um período em que elas poderiam ser entendidas como "revolucionários primitivos". Alguns permaneceram fiéis às suas origens como bandidos sociais e ingressaram no Partido Comunista. Mas o resto tomou a forma do reacionário comum:
“Durante as décadas restantes do período republicano, eles tinham uma forte semelhança com a máfia siciliana, operando como sindicatos terroristas e deixando de lado os elementos de 'banditismo social' que outrora possuíam. Eles continuaram um vínculo mutuamente lucrativo com o Kuomintang [Partido Nacionalista] durante as décadas de 1920 e 1930, o que lhes rendeu a reputação de assassinos contratados pelo governo (contra trabalhadores desarmados em Xangai, 1927) e agentes trabalhando para os elementos mais corruptos e reacionários do Partido Nacionalista." [32]
A influência de tais grupos cresceu no vácuo criado pela destruição de sindicatos comunistas e células do Partido após 1927. O resultado foi uma cidade em que os empreiteiros de trabalho, o sistema de líderes de turma, as corporações e as sociedades secretas formaram uma teia complexa de implantação de trabalho definido pela dependência de salários e a ameaça de violência direta comum em regimes coloniais de acumulação.
Além dessas cidades portuárias, a China limitou projetos industriais urbanos no interior, "confinados e isolados dentro de uma enorme economia agrícola". [33] Em geral, práticas dos períodos Qing e Republicano para construir uma infraestrutura militar capaz de fortalecer suas respectivas províncias. Essas "ilhas" industriais eram em grande parte autossuficientes, assim como os poucos projetos no interior construídos por estrangeiros. A grande maioria da indústria era leve e localizada ao longo do continuum urbano-rural. Só depois da invasão japonesa que uma estrutura industrial verdadeiramente "moderna" foi construída na China continental.
Revolução Rural
Quando a revolução avançou sobre a esfera rural na década de 1920, o PCCh achou difícil mobilizar as cidades do sul. O estado Republicano foi capaz de intervir nas relações sociais rurais de uma forma que não era possível no norte. [34] Como muitos proprietários do sul se mudaram para as cidades como absenteístas no final do período imperial, o estado desempenhou um papel muito maior na mediação das relações de classe nas aldeias do sul, permitindo-lhe "penetrar na sociedade local e coordenar as atividades entre diferentes grupos sociais e classes para seus próprios fins, sem empregar uma força despótica e coercitiva.” [35] No norte, no entanto, as aldeias eram menos divididas por classe e mais unificadas contra a intrusão do estado, especialmente desde as tentativas do final da época Qing de aumentar os impostos sobre elas. Essa diferença geográfica nas relações estado-sociedade criou mais oportunidades para o PCCh se organizar no norte durante a guerra, onde trabalhou com aldeias unificadas contra os nacionalistas e japoneses. Em outras palavras, exacerbar as diferenças de classe não era a estratégia mais eficaz para o PCCh, e a aldeia se tornou a “unidade básica” dos esforços de mobilização. [36] Esse relacionamento foi fortalecido pelas políticas de terras e impostos do PCCh durante a guerra.
Esse sucesso nas aldeias relativamente unificadas do norte tornou-se um modelo de revolução. O novo populismo do Partido desenvolveu-se a partir das contradições produzidas pelas décadas anteriores de uma subsunção desigual da esfera rural ao capitalismo global. Essas condições ajudaram a criar duas tendências politicamente contraditórias: de um lado, uma política de luta de classes, que respondia à crescente desigualdade rural e ao crescente controle da alta burguesia sobre os mercados e a mais-valia; de outro, uma política de unidade nacional, que enfrentou invasão estrangeira, imperialismo e subordinação a potências estrangeiras. Embora tenha havido muitos momentos de agudo antagonismo de classe durante a revolução, as políticas de unidade nacional dominaram o período revolucionário e grande parte do período pós-revolucionário. Nesse sentido, as condições políticas do PCCh se igualaram às do GMD, com seu foco na unidade nacional, embora o PCCh fosse mais capaz de preencher a lacuna entre essas duas políticas contraditórias sob o conceito de "povo". O foco na unidade nacional era incompleto e unilateral. O “povo", ao contrário, não era definido apenas pela cidadania nacional ou apenas pela classe. Em vez disso, a posição subjetiva que alguém assumia na revolução colocava a pessoa dentro ou fora do "povo". Assim, mesmo a burguesia nacional (capitalistas chineses que não colaboravam diretamente com potências estrangeiras), camponeses e proprietários de terras ricos mas patrióticos podiam tornar-se membros do "povo", ao mesmo tempo que colocavam seu peso (e recursos) na revolução. Esse foco na subjetividade permaneceria um forte componente da política do PCCh daquele momento em diante.
O avanço da reforma agrária - após uma série de campanhas e movimentos populares pela redistribuição da terra - cresceu e minguou com a política do Partido. Nas áreas do norte que já estavam sob controle do Partido antes de 1949, a reforma começou em 1946, quando a guerra com o GMD irrompeu novamente. Inicialmente, o Partido só dava “aprovação” aos camponeses que tomavam terras aos latifundiários, mas já em 1947 a “distribuição igualitária da terra” tornou-se “um princípio orientador” [37]. Isso acabou em 1948, quando o Partido decidiu que tinha sido conduzido de uma forma muito radical. Um processo de reforma mais radical que eliminou a pequena aristocracia rural foi reiniciado somente depois que o PCCh assumiu o controle nacional, levando a uma redistribuição de terras em grande escala.
Embora muitas vezes surgisse de repetidas rebeliões camponesas que ocorreram independentemente do partido, o próprio processo envolveu quadros do Partido [38], identificando elementos-chave ativos entre os camponeses pobres que liderariam a luta contra os proprietários e fazendeiros ricos. O objetivo era eliminar as classes exploradoras rurais e, ao mesmo tempo, cultivar um grupo ativo de apoio local. Este processo também forneceu as sementes para uma nova estrutura de classe que se desenvolveria durante o curso da era socialista, um processo que contemplou publicamente a categorização dos colonos em cinco categorias de classe, dependendo de sua relação com a exploração antes que os comunistas assumissem o controle do território. No norte da China, esse processo foi mais violento, pois as divisões de classe foram acirradas em uma população antes bastante unificada. Concluído o processo, uma nova estrutura de poder surgiu nas aldeias. No sul, o processo foi mais suave, apenas redistribuindo o excedente de terra dos camponeses ricos. A maioria dos proprietários de terras do pré-guerra era absenteísta, então não viviam nas aldeias quando a reforma agrária começou. Os princípios norteadores do processo de reforma agrária pós-1949 se orientavam no aumento da produção e, ao mesmo tempo, na derrubada das classes que podiam competir com o estado pelo controle da mais-valia.
Apesar da variação nos métodos, a posse da terra foi amplamente equalizada nas aldeias por toda a China. A grande maioria das famílias camponesas se beneficiou e o partido obteve um apoio crítico. Oficialmente, 300 milhões de camponeses ganharam terras e mais de 40% das propriedades de terra foram redistribuídas. A posse dos fazendeiros caiu de 30% para 2%. [39] Isso fortaleceu a produção das famílias rurais, com muitas famílias camponesas tendo pela primeira vez acesso direto aos meios de produção. A reforma agrária estava basicamente concluída já em 1953, criando igualdade de posse da terra nas aldeias, fortalecendo o controle do Partido sobre as aldeias e eliminando a pequena nobreza rural, rival do estado na extração da mais-valia rural. Ao facilitar o processo, o Partido conquistou amplo mandato popular. Enquanto a economia rural se recuperava de uma grande retração do tempo de guerra, produzindo a mais-valia que o novo estado pretendia extrair. [40]
Manchúria Japonesa
A invasão japonesa teve efeitos mistos na economia chinesa. Primeiro, trouxe uma destruição sem precedentes. A infraestrutura de transporte construída nos períodos Qing e Republicano foi destruída pelos bombardeios. O sistema bancário recém-criado, que estabilizou os preços pela primeira vez desde o programa americano de compra de prata, rapidamente entrou em colapso sob a ocupação. Isso resultou em tentativas desesperadas de imprimir notas para apoiar os gastos de guerra, dando início a uma crise inflacionária que acabaria por devastar a economia republicana. Diante da destruição do cinturão de arroz do sul, os produtos alimentícios tornaram-se escassos e 1 milhão de trabalhadores industriais e 10 milhões de trabalhadores da manufatura no país enfrentaram desemprego e preços hiperinflacionados dos alimentos. Muito desse caos econômico continuou durante a a Guerra Civil [até 1949] em áreas sob o controle do GMD, e todos esses problemas foram herdados mais tarde pelo PCCh após sua vitória. [41]
Mas a destruição não foi a única herança. Com a Guerra do Pacífico se aproximando, os japoneses fizeram enormes investimentos na Manchúria e em Taiwan, essencialmente construindo uma infraestrutura industrial inteiramente nova do zero apenas em alguns anos, cuja escala e alcance ultrapassaram em muito os investimentos feitos por estrangeiros capitalistas no século anterior. Combinados, essa rede de manufatura construída pelos japoneses tinham o dobro do tamanho de toda a indústria chinesa anterior à guerra. [42]
A geografia produtiva do continente asiático foi, portanto, reconfigurada, com menos dependência de portos e zonas de exportação e muito mais ligada à indústria pesada continental que produz para consumo interno (principalmente militar). Ao mesmo tempo, toda a região Nordeste viu uma avalanche de urbanização que não seria igualada em escala ou velocidade até a década de 1980. Em 1910, os residentes urbanos da Manchúria representavam apenas 10% de sua população total. Em 1940, a população urbana dobrou. [43] Muitos desses novos habitantes eram migrantes de outras partes do norte da China e frequentemente voltavam para suas aldeias após cumprir uma designação de trabalho, tudo facilitado pelas redes de trem e navios à vapor japoneses. [44]
Em contraste com as redes industriais em pequena escala e descentralizadas das cidades portuárias, a zona de manufatura japonesa era em grande escala, verticalmente integrada e totalmente incorporada à burocracia de produção do tempo de guerra. A estrutura da fábrica pretendia imitar os conglomerados tayloristas maciços do cinturão industrial dos Estados Unidos, com empresas de capital intensivo baseadas nas máquinas mais avançadas, todas operadas por "força de trabalho chinesa barata e gestão de trabalho quase feudal". [45] Força de trabalho japonesa com maior qualificação também foi usada nos estágios iniciais de desenvolvimento da região, mas isso foi logo deixado de lado quando os japoneses treinaram técnicos chineses mais baratos para substituí-los.
Esses trabalhadores chineses eram, na Manchúria como em outros lugares, trazidos por líderes de turmas ou empreiteiros de trabalho, que recebiam a soma total dos salários dos empregadores japoneses e os distribuíam entre os trabalhadores como achavam conveniente, reservando uma grande fração para si próprios. Mas enquanto o sistema de líder de turma usado nas cidades portuárias do sul viam os líderes de turma competindo com a corporação e outros empreiteiros, enviando redes de recrutadores de mão-de-obra menores que eram despachados para empresas menores, essas modernas fábricas japonesas exigiam um desdobramento de força de trabalho em uma escala totalmente diferente. Muitos usavam apenas "um pequeno número de batou que fornecia e gerenciava vários milhares de trabalhadores". [46] Esta gestão foi distribuída por uma hierarquia de líderes de turmas integrados verticalmente, com o "batou número 3" na parte inferior comandando esquadrões "cerca de quinze trabalhadores". Ao mesmo tempo, a hierarquia dos líderes de turmas foi amortecida por uma extensa burocracia, com "outros funcionários também, como um xiansheng ou sensei (que era secretário, contador e pagador), cozinheiros e corredores ”. [47]
Por baixo de tudo isso estavam os trabalhadores, vistos como temporários, e pior ainda, "casuais" que não tinham a proteção de um chefe de turma. Os trabalhadores não informais recebiam salários, muitas vezes diariamente, e recebiam certos pagamentos do líder da turma, incluindo comida, moradia, assistência médica, proteção e atividades recreativas. Os próprios salários eram frequentemente ajustados de acordo com as origens do trabalhador, com os migrantes recebendo apenas dois terços do que os trabalhadores locais recebiam. [48] Em alguns casos, como nas minas de carvão de Fushun, os trabalhadores eram contratados e pagos diretamente pela empresa, mas o trabalho ainda era supervisionado por líderes de turma que atuavam como gerentes de trabalho. Em um nível superior, a gestão de toda a região tinha um caráter taylorista, com especialistas como Wada Toshio, diretor do Instituto de Psicologia Daito em Hiroshima, enviados para testar a aptidão dos trabalhadores, aumentar a eficiência e padronizar a produção. [49]
Confrontados com a escassez de força de trabalho no início dos anos 1940, os japoneses logo se voltaram para formas mais coercitivas de recrutamento. Isso incluiu forçar estudantes, prisioneiros, vadios e a população flutuante de trabalhadores desempregados ou ocasionais ao serviço obrigatório e ao trabalho não remunerado, tudo formalizado pela Lei do Exército Nacional de abril de 1940 que buscava o alistamento universal para o exército e para projetos de desenvolvimento industrial. Aqueles que não foram lançados no próprio exército foram enviados à força de trabalho nacional "entre as idades de vinte a vinte e três (a) para trabalhar em construção militar, indústrias essenciais ou produção local." [50] A brutalidade desse regime de trabalho não deve ser subestimada, e tem sido razoavelmente comparada ao holocausto europeu em termos de escala e extensão de sua devastação.
Assim, ao longo desse período, as tentativas de agilizar e modernizar a implantação da força de trabalho por meio da implementação de métodos tayloristas e do uso de salários por hora coexistiram e foram eventualmente substituídos por regimes que em última instância dependiam da coação, da violência, seja nas mãos do líder de turma ou através do retorno a sistemas de trabalho do tipo corvéia e métodos “tributários” de produção e troca. Isso tinha graus de semelhança com várias formas de acumulação pré-capitalista vistas em toda a Eurásia, e alguns autores que escrevem sobre o sistema de trabalho da Manchúria se referem a ele descuidadamente como "feudal". Mais importante, esses aspectos "feudais" do regime de trabalho são frequentemente retratados como estando em tensão com os sistemas tayloristas apropriadamente "racionais" de implantação do trabalho por meio da relação salarial.
Mas essa oposição não é tão clara. Apesar de seus supostos elementos “feudais”, a industrialização japonesa da China continental pode ser vista como o início de uma transição para um modo de produção explicitamente capitalista, dominado pela produção de valor. Em vez de ver a construção do complexo industrial japonês durante a guerra (ou suas contrapartes alemãs, italianas ou americanas) como sendo impulsionada pela simples insanidade militar, devemos entender essas expansões militares como necessidades de acumulação apresentadas a estados que enfrentam limites para seu crescimento e são atolados em uma crise de produção de valor. A colonização japonesa do continente asiático foi uma resposta à crise do capitalismo global. Em certo sentido, isso pode ser entendido como um processo de "acumulação primitiva", mas somente se separarmos este termo de suas conotações de um capitalismo comercial expansivo, em direção à gestação europeia do modo de produção capitalista nas fases genovesa, holandesa ou britânica.
A entrada japonesa na Manchúria marcou uma tentativa de se mover da simples prática colonial de "empresas capitalistas operando principalmente através de modos arcaicos ("pré-capitalistas") de organização do trabalho em níveis de técnica baixos e geralmente estagnados" [51] (uma ligeira simplificação para China, mas amplamente consistente com o modo como as coisas funcionavam nas cidades portuárias) em direção a empresas industriais de grande escala altamente mecanizadas e coordenadas, capazes de aumentar a produtividade e, portanto, incrementar a mais-valia relativa, em vez de simplesmente colher ampliar a mais-valia absoluta de mais trabalhadores. Os rendimentos deste processo destinavam-se a ser comercializados e investidos nos crescentes mercados doméstico e internacional, ambos os quais os japoneses estavam ativamente (re)construindo.
A expansão do sistema de líderes de turma e a implementação do trabalho forçado não foram, então, de forma alguma, uma queda em direção aos modos de produção pré-capitalistas. Eram uma lógica capitalista de produção levada ao extremo - literalmente, um esforço de último recurso para preservar as relações sociais capitalistas que garantiam a contínua acumulação de valor no continente asiático. [N.E.: uma modernização retardatária] Combinando taxas de crescimento, a crescente circulação de mercadorias em todo o mercado interno e o início da transição demográfica urbana, tudo seguiu junto com a proletarização massiva de ex-camponeses migrantes. Essas formas de desdobramento do força de trabalho foi de fato o último complemento das campanhas de "racionalização" tayloristas, pois, diante da escassez de trabalhadores e com as derrotas militares, só essas formas funcionavam, ou, mais precisamente: colocavam as pessoas para trabalhar.
A herança industrial
Após o colapso do complexo militar japonês diante das ofensivas soviética e americana de 1945, o capital investido na Manchúria é transferido para a propriedade estatal do GMD. Essa infraestrutura industrial era predominantemente equipada para a produção de eletricidade (63% da indústria elétrica se tornou era estatal controlada pelo GMD após a derrota japonesa, produzida por plantas capturadas diante evasão japonesa) e matéria-prima industrial (aço e ferro: 90% , tungstênio: 100%, estanho: 70%, cimento: 40%). O valor total do capital industrial estadual cresceu cem vezes em dez anos, de 318 milhões de yuans em 1936 para 3.161 milhões de yuans em 1946, quando representava 67,4% do capital industrial total. [52]
O GMD era totalmente incapaz de lidar com essa vasta nova burocracia. Incapazes de conter a inflação, as terríveis tendências econômicas iniciadas sob os japoneses continuaram sob os nacionalistas, que não estavam preparados para reiniciar o projeto de expansão imperial iniciado por seus predecessores. A classe média que havia começado a se formar antes da invasão foi praticamente exterminada. Novos burocráticos senhores da guerra emergiram ao lado e de dentro do colapso do GMD, criando condições quase perfeitas para o crescimento dos exércitos comunistas nos campos. Quando o GMD começou a ceder território ao PCCh durante a guerra civil, essa estrutura de estado industrial construída pelos japoneses formavam o componente mais intacto da produção não agrícola herdada pelos comunistas. A Manchúria foi conquistada cedo com a ajuda substancial da Rússia, garantindo uma quantidade significativa de munições, artilharia, tanques e aeronaves ao exército comunista enquanto ajudava na reconstrução do sistema ferroviário da Manchúria. Mas essa assistência também teve um custo significativo, já que Stalin ordenou que as tropas russas se unissem ao GMD e saqueassem as fábricas da Manchúria para recuperar a própria indústria desgastada pela guerra da URSS. [53]
Foi na Manchúria que o PCCh enfrentou pela primeira vez as questões de industrialização e urbanização que se tornariam cada vez mais importantes na era socialista. Isso significava não apenas que o partido tinha que encontrar maneiras de superar os obstáculos técnicos, uma vez que “sua ala urbana não poderia fornecer quadros suficientemente treinados para colocar a produção urbana de volta nos trilhos” [54], eles também tiveram que fundir suas alas rurais e urbanas, que antes operavam com relativa autonomia. A ala urbana, chefiada por Liu Shaoqi, esteve envolvida em atividades clandestinas durante o controle do GMD e a ocupação japonesa, exigindo que sua organização enfatizasse o sigilo, estruturando-se em cadeias de comando altamente regulamentadas e disciplina rígida.
Quando a responsabilidade pela produção em tempo de guerra e os primeiros estágios da industrialização liderada pelos comunistas foram transferidos para a ala urbana, ela ainda operava sob uma extensa e regulamentada estrutura de comando projetada para atividades clandestinas. Isso foi reconhecido como um problema, mas não havia alternativa à mão. Mesmo onde os próprios trabalhadores podiam entrar para manter a máquina funcionando depois que os administradores japoneses e o GMD fugiram, a ala urbana do Partido era a única força remanescente capaz de coordenar a produção entre as fábricas e gerenciar os produtos para além do cinturão geograficamente concentrado da indústria pesada na Manchúria.
As decisões aí enfrentadas, mais do que em qualquer outro lugar, marcaram o projeto comunista até as suas raízes. Se o Partido simplesmente capturasse a infraestrutura construída pelos japoneses, arriscava-se a reacender o brutal processo expansionista para o qual essas indústrias haviam sido construídas e reconstruir a burocracia necessária para mantê-las funcionando. Mesmo que o Partido tivesse devolvido o controle direto aos trabalhadores dessas indústrias para dirigi-las, nada teria feito para resolver os problemas estruturais inerentes ao funcionamento dessas grandes fábricas, nem diante do desafio representado por sua concentração geográfica. A hierarquia dos líderes de turmas poderia ser preenchida com representantes eleitos democraticamente, mas isso só teria substituído uma burocracia mais darwinista por uma democrática.
Em outras palavras: a infraestrutura industrial da Manchúria não era um motor de produção politicamente neutro que pudesse simplesmente ser capturado e colocado a serviço de um fim melhor. Pelo contrário, todas as suas redes logísticas, a sua geografia desigual e a sua organização básica ao nível da fábrica (desde a sua construção física à sua administração), foram concebidas precisamente para sugar a força de trabalho migrante para o novo núcleo industrial, isolando-os do seu seus próprios meios de subsistência e forçando-os a depender de várias camadas de atividades ligadas à sua própria reprodução, seja por meio de salários ou do sistema de moradia e saúde fornecido por líderes de turma. Isso não significa, é claro, que essa infraestrutura fosse inerentemente ruim ou inerentemente inútil para um projeto comunista - mas simplesmente que os ganhos da tecnologia moderna e do aumento da produção estavam fortemente alinhados com esses limites.
O problema era como, precisamente, utilizar a capacidade produtiva dessa infraestrutura herdada e, ao mesmo tempo, transformar as relações de produção da sociedade - uma transformação que só pode acontecer em uma escala muito maior do que a da empresa individual, e que de forma alguma pode vir da aglomeração linear entre pequenas mudanças por trabalhadores individuais em seus locais de trabalho individuais, embora estas sejam obviamente importantes e ocorram em todas as fases do processo. Somente enfrentando esse problema maior é que as próprias teorias de organização industrial do Partido se tornariam importantes. Essas teorias de cima para baixo, entretanto, eram frequentemente associadas a atividades de baixo para cima vindas dos trabalhadores dessas indústrias, cujas visões sobre esses assuntos contribuíam para a heterogeneidade geral do projeto comunista, que de forma alguma era redutível ao PCCh. As próximas três décadas seriam marcadas por lutas pela transformação e expansão desse patrimônio industrial, com o Partido absorvendo muitas dessas posições heterogêneas no processo de garantia de sua hegemonia estratégica - hegemonia que tinha como premissa os potenciais da própria produção.
A divisão urbana
Apesar de terem uma maioria camponesa e uma base revolucionária rural, foram as cidades que se tornaram centrais na tentativa de expandir os ganhos da modernização para além dos limites da Manchúria e dos portos do sul. Assim, pela primeira vez na história da região, uma “economia nacional” seria tecida a partir do arquipélago industrial, criando ao mesmo tempo uma ponta de lança para a esperada transição para uma sociedade comunista global. Na Segunda Plenária do Sétimo Comitê Central do PCCh, em março de 1949, Mao declarou que "o centro de gravidade do trabalho do partido mudou das aldeias para a cidade." [55] Mas as "ilhas industriais" das cidades provaram ser sérios obstáculos - não tanto para a construção da "economia nacional" (na verdade, seriam aceleradores perigosos), mas sim para a construção de qualquer coisa que se assemelhe a um projeto comunista no século XX.
A era socialista foi de fato uma época de transição, na qual uma "economia nacional" foi gradualmente tecida a partir de sub-regiões econômicas dispersas e vários métodos de distribuição de força de trabalho. Mas a característica mais fundamental desta “economia nacional” - a única que se poderia dizer que englobava o campo e a cidade, determinando a relação entre os dois - foi a implementação de padrão na produção de grãos e o direcionamento líquido de recursos do campo para a cidade. Ou seja, o eixo de todo o projeto de desenvolvimento era o alargamento da divisão entre o campo e a cidade, apesar do aumento da riqueza social total do país.
O enigma básico colocado pela existência da cidade era este: como foi possível realizar uma revolução agrária para baratear os custos básicos da vida, permitindo uma igualdade, que não fosse igualdade na escassez, no país mais pobre do mundo, sem também minar as bases daquele projeto igualitário ao privilegiar zonas industriais geograficamente concentradas e gerando novas hierarquias por meio da urbanização? Para colocar isso em perspectiva, basta lembrar que o Leste Asiático, na época de sua revolução, era uma das regiões mais subdesenvolvidas do mundo. Comparada com a China em 1943, a Rússia em 1913 (ela própria um país agrário subdesenvolvido às vésperas de uma revolução) já fabricava três vezes mais toneladas de aço, duas vezes mais ferro, tinha o dobro de quilômetros de ferrovias e produzia trinta vezes mais petróleo. [56] Tudo isso em termos absolutos e não per capita, sem levar em conta o tamanho surpreendentemente maior da população da China. Dessa população, muito poucas pessoas estavam empregadas nas indústrias urbanas modernas. Até a década de 1950, menos de 2% da população chinesa eram "trabalhadores e empregados". [57] A grande maioria eram camponeses.
A urbanização não é um problema simples. As teorias da cidade costumam ser flagrantemente saturadas ideologicamente. O mais popular é o "modelo de comercialização" do desenvolvimento capitalista, que retrata o capitalismo como uma consequência da natureza humana, e que também geralmente assume "que as cidades desde seus primórdios são capitalismo em forma embrionária" [58]. Isso implica "que os povos eram por natureza antitéticos ao feudalismo, de maneira que seu crescimento, como quer que tenha ocorrido, minou os alicerces do sistema feudal”. [59] Esse modelo também tende a inferir que as cidades são, de fato, antitéticas a qualquer sistema de produção diferente do capitalismo e que todas as formas de urbanização são inerentemente capitalistas.
Na realidade, o capitalismo não foi o único modo de produção que viu grandes processos de urbanização. No entanto, muitas vezes é assumido que a abolição do capitalismo implica a abolição da cidade e a explosão da indústria em uma "cidade jardim" de campos, fábricas e oficinas na qual a própria população deve ser distribuída de forma igualitária por todo o território desabitado. O próprio trabalho de Marx e Engels agrava essa confusão. Uma "distribuição mais equitativa da população entre a cidade e o campo" é uma das dez medidas propostas no Manifesto Comunista. Embora isso possa ser entendido como uma resposta às desigualdades urbano-rurais particulares que surgiram na Europa naquela época, elas mais tarde se tornam a-históricas em A Origem da Família, onde Engels defende a cidade como uma "característica básica da civilização", e, portanto, um ponto de origem para todas as estruturas de classes iniciais. [60]
Nos primeiros anos da era socialista chinesa, um princípio semelhante rapidamente assumiu um lugar sacrossanto nos documentos oficiais, refletindo a linguagem do Manifesto Comunista. Pouca atenção foi dada ao fato de que contra o padrão europeu observado por Marx e Engels, o continente asiático já tinha uma distribuição equitativa entre o campo e a cidade. As políticas foram escritas para responder a um problema que mal existia, e o resultado foi que todas as tentativas de criar as condições pelas quais as distinções entre as cidades e o campo poderiam ser abolidas tendiam a aumentar a desigualdade entre as duas. Mas o reconhecimento do problema também garantiu que a urbanização em si fosse prontamente interrompida - efetivamente dobrando a divisão ao conter mais população no campo subfinanciado. A divisão urbana foi, portanto, exacerbada por meio de todas as tentativas de escapar dela.
Nova Democracia, Velha Economia
Embora confrontado no início na Manchúria, o problema da cidade apenas foi trazido à tona com o fim da guerra civil, quando todas as principais áreas urbanas chinesas caíram nas mãos do exército revolucionário, exceto as de Hong Kong e Taiwan. Anteriormente, problemas apresentados pela indústria urbana foram parcialmente resolvidos ou temporariamente adiados pela guerra. As cidades no norte e noroeste tornaram-se centros de produção em tempo de guerra, exigindo altos níveis de emprego e uma aquisição dessas indústrias de seus proprietários anteriores, fossem eles capitalistas privados ou burocratas do GMD. Nestas áreas liberadas cedo, “muitas empresas privadas eram de fato dirigidas por trabalhadores que foram abandonados por seus proprietários anteriores e todos ou a maioria dos funcionários da administração.” [61] O mesmo se aplicava em grande parte à indústrias estatais nos estágios iniciais de produção de guerra, antes da importação de administradores e técnicos soviéticos.
A situação mudou, no entanto, após o término da Guerra Civil. Nas cidades portuárias do sul, posteriormente libertadas, muitos proprietários e administradores permaneceram presentes, aproveitando preciosas habilidades técnicas e acesso a crédito estrangeiro em troca de tratamento favorável por parte do Partido. Mais importante ainda, a vitória na guerra significou que os comunistas haviam tomado várias das maiores áreas urbanas do país precisamente quando o estímulo do tempo de guerra às indústrias dessas cidades estava diminuindo e o bloqueio econômico apoiado pelos EUA havia apenas começado. O número de trabalhadores e refugiados de guerra disparou, muitas das indústrias nas cidades costeiras foram bombardeadas pelos japoneses ou sabotadas pela retirada do GMD. Em Guangzhou, "foi relatado em dezembro de 1949 que menos de um quarto das empresas da cidade estavam operando em plena capacidade, enquanto quase um terço de toda a força de trabalho estava desempregada." [62]
Esses trabalhadores desempregados contribuíram de forma significativa para a vitória comunista. Em vez de serem súditos relutantes de um novo regime, a derrubada dos japoneses e depois do GMD foi ativamente promovida por muitos trabalhadores. Ao longo da década de 1930, ondas de greves periódicas percorreram o território ocupado, resultado tanto da atividade comunista clandestina quanto de um amplo, embora desorganizado, movimento operário. Depois que os japoneses transferiram o poder para o GMD, as greves só aumentaram, "com mais de 3 milhões de trabalhadores participando apenas em 1947". [63], muitos trabalhadores foram inspirados a agir contra o GMD na esperança de que as técnicas brutais de gestão, os baixos salários e as hierarquias arrogantes com as quais estavam familiarizados fossem derrubadas por meio da aquisição direta das indústrias do sul. [64]
Mas enquanto o Partido se concentrava na reforma agrária no campo, a tarefa imediata na cidade era a retomada da produção. Se não conseguissem fazer com que as fábricas voltassem a funcionar, não haveria como modernizar a agricultura, deixando o campesinato em seu ciclo histórico de crescimento populacional marcado pela fome e pela expansão mercantil. Mais premente, havia o problema dos desempregados urbanos, que eram eles próprios subnutridos e alojados em condições péssimas - com muitos habitantes urbanos literalmente vivendo nos escombros causados por vinte anos de guerra quase constante. Uma saída da população das zonas rurais de guerra havia inflado a população urbana e minado a capacidade do país para a produção de alimentos.
O resultado foi que as cidades densamente povoadas dependiam, em 1949, da importação de bens de consumo e alimentos, e muitos residentes se alojaram em favelas. Quando o bloqueio internacional aos comunistas vitoriosos começou, o país rapidamente ficou sem essas importações necessárias. [65] Para as pessoas da China reconstruírem suas cidades, precisariam produzir seu próprio concreto, aço, eletricidade e, o mais importante, grãos para alimentar os trabalhadores em todas as fases desse processo.
Se, por outro lado, as cidades fossem parcialmente abandonadas em favor do reassentamento do campo na tentativa de construir algum tipo de socialismo agrário, não estava claro como um país dilacerado pela guerra escaparia da fome imediata, uma renovada expansão da atividade comercial que levaria a outra era de caudilhismo ou sua contraparte direta, invasão estrangeira - uma ameaça que se tornou grande quando os americanos começaram a ocupar grande parte do território que os japoneses haviam conquistado décadas antes. Talvez mais importante, tal opção provavelmente teria levado ao rompimento de laços recentemente renovados com a URSS, uma das únicas fontes da China para ajuda internacional e treinamento técnico, sem mencionar a maior ameaça militar na fronteira com a China. [66]
No entanto, as tentativas de formas agrárias de socialismo tiveram os seus precedentes, como mostram as experiências de anarquistas, republicanos e comunistas para construir projetos rurais igualitários no passado, particularmente nos movimentos de Nova Aldeia, Reconstrução Rural e Cooperação Aldeia do início século 20. Alguns, como o anarquista tolstoiano Liu Shipei, imaginaram que o objetivo final de qualquer projeto igualitário na China seria de caráter antimoderno, devolvendo o país à sua herança agrária. [67] Muitos dos primeiros membros do PCCh emergiram do movimento anarquista e não mantiveram muita fidelidade aos modelos descentralizados de desenvolvimento que misturavam atividades industriais e agrícolas e, portanto, encorajaram a emigração dos centros urbanos.
Embora esta última opção possa parecer absurda, dada a dedicação intelectual do Partido a um marxismo truncado e algumas das piores características do Stalinismo, deve-se lembrar como o programa comunista já havia divergido nos espaços rurais do caminho soviético. O apego chinês às práticas stalinistas, e especialmente às justificativas teóricas para essas práticas, era mais o produto de um pragmatismo do que qualquer crença ingênua na infalibilidade do modelo russo. As leituras da história socialista chinesa frequentemente privilegiam indevidamente o papel da teoria e da ideologia nas decisões de uma era que foi de fato marcada por imensas irregularidades e experimentação contínua, embora fracassada.
Aqui, no entanto, enfatizamos que as condições materiais básicas de uma sociedade e os limites objetivos impostos por elas são primordiais para qualquer compreensão marxista da história. Isso não quer dizer que a herança ideológica dos comunistas chineses fosse irrelevante - veremos apenas o quão incapacitante era -, mas simplesmente apontar que os limites enfrentados pelo projeto comunista chinês no século 20 não eram basicamente limites da imaginação. Para retornar ao exemplo acima: Se houvesse fortes fatores materiais de atração oferecendo às pessoas uma vida melhor no campo em tempos de paz, é provável que houvesse pressão populacional de volta para as áreas rurais - nada sem precedentes na história do cidades da região - e o Partido teria de, de alguma forma, conter ou acomodar essa tendência.
O fato preeminente, entretanto, era que a abundância agrária não estava disponível. As cidades estavam em ruínas. As indústrias do Nordeste estavam um pouco mais intactas, dirigidas neste período mais ou menos diretamente por trabalhadores. Mas a maioria desses trabalhadores nunca teve acesso às capacitações técnicas necessárias para reparos complexos, modernização ou coordenação entre fábricas. Além disso, havia pouca ou nenhuma infraestrutura projetada para levar os ganhos dessa indústria pesada do nordeste para o restante do país. O sistema ferroviário foi interrompido em milhares de lugares, não havia rodovias nacionais e o Partido havia herdado pouco na forma de uma marinha mercante - com os EUA de qualquer maneira ameaçando afundar os navios chineses que saíam.
Nas cidades portuárias, muitas empresas foram seriamente danificadas, mas seus proprietários e gerentes muitas vezes não fugiram com os nacionalistas em retirada. Essa "burguesia urbana, cujos membros possuíam alfabetização, conhecimento técnico e experiência de negócios vitais para a produção urbana", era o "principal rival político urbano do PCCh". [68] O tamanho médio menor das empresas da cidade portuária também significava que a elite local não era uma classe de consistência uniforme, com pequenos proprietários, administradores e especialistas técnicos distribuídos ao longo de uma hierarquia de produção complexa e descentralizada. Alguns eram pouco mais do que trabalhadores qualificados, enquanto outros haviam sido chefes de turmas influentes que aspiravam a seu próprio feudo nas docas. Um segmento muito menor era formado por capitalistas domésticos, muitas vezes mantendo acesso a fluxos restritos de crédito do Ocidente. A reparação das fábricas, a mobilização das redes de trabalhadores e o funcionamento quotidiano da produção dependiam inteiramente das competências técnicas e gerenciais distribuídas por esta hierarquia.
A reestruturação da economia foi coordenada por três atores principais. Primeiro, houve os militares, "que enviaram representantes (que também eram membros do Partido) para fábricas individuais onde reivindicavam a autoridade do novo governo". [69] Mas esses representantes militares não estavam particularmente familiarizados com a produção industrial e, portanto, tiveram que contar com a hierarquia de técnicos e administradores já existentes. Em segundo lugar, havia a ala urbana do próprio PCCh, muitos membros dos quais eram trabalhadores qualificados. No entanto, a ala urbana do Partido era pequena e acostumada a operar dentro de uma hierarquia de comando rígida exigida pelo sigilo. Considerando que a experiência da ala rural do partido em mediar conflitos sociais simultâneos e administrar grandes áreas de produção o tornou uma organização flexível e adaptável, a experiência da ala urbana do partido foi muito mais limitada.
Finalmente, havia "os trabalhadores qualificados e alfabetizados que, com as bênçãos do Partido Comunista, foram rapidamente promovidos a posições de liderança nas fábricas pelos sindicatos." [70] Mas esses trabalhadores eram escassos, devido ao analfabetismo generalizado da população urbana e a maioria dos quadros do PCCh: “Só em Xangai [...] a taxa de analfabetismo para todos os funcionários, incluindo escriturários e trabalhadores de colarinho branco, foi estimada em 46%.” Enquanto isso, "entre os operários, este número era muito mais alto, provavelmente perto dos 80% do pessoal industrial em todo o país." [71] Em contraste, “em 1949 quase todos os alunos nas universidades chinesas, escolas técnicas e superiores eram das classes média urbana e média alta.” E esses alunos não eram mais simplesmente elites formadas a partir dos clássicos confucionistas. Em vez disso, "bem mais da metade (63%) dos membros deste grupo que eram graduados em universidades e escolas técnicas em 1949 tinham se formado em matérias que eram essenciais para a industrialização." [72]
A resposta do Partido foi lançar uma campanha de recrutamento, na esperança de fortalecer suas fileiras com intelectuais leais e técnicos qualificados. O risco de carreirismo e corrupção foi claramente notado, mas estes foram considerados males necessários que mais tarde poderiam ser erradicados. Enquanto isso, novos sindicatos foram formados ao lado dos novos órgãos do Partido, com o objetivo de simultaneamente racionalizar a produção e fornecer aos trabalhadores alguma supervisão sobre os novos recrutas do Partido, menos confiáveis. No início, o Partido tentou eliminar ex-chefes de turmas, bandidos do sindicato do GMD e membros de sociedades secretas em seu sistema industrial reestruturado, mas isso se provou ser quase impossível e a tentativa apenas paralisou ainda mais a recuperação da indústria. Os quadros locais foram instruídos a abrir recrutar nos novos sindicatos, na esperança de que a percepção política dos próprios trabalhadores combinada com as campanhas de reforma patrocinadas pelo estado fossem suficientes para evitar que essas pequenas elites recuperassem o poder. [73]
Mais acima na cadeia, no entanto, a política do Partido era conciliatória. Era necessário não apenas reter o conhecimento técnico das elites de nível médio e inferior, mas também adquirir novos investimentos de capital fixo para reconstruir e expandir a produção industrial. Com o bloqueio econômico restringindo a importação de capital fixo e o acesso a empréstimos internacionais, apenas a burguesia urbana remanescente tinha o tipo de conexões necessárias para adquirir as principais importações e o crédito necessário para a reconstrução.
O resultado foi um sistema gerencial que, de certa forma, se assemelhava muito ao das cidades portuárias antes da guerra: “Em 1953, aproximadamente 80% do pessoal gerencial era de origem burguesa e 37% destes eram graduados pré-1949, estudantes chineses retornados do exterior ou proprietários de fábricas”. Uma diferença fundamental era a presença generalizada do Partido, mas seus números ainda eram pequenos. Embora o recrutamento tivesse se expandido, “em 1953 apenas 20% ou mais do pessoal administrativo e técnico era composto de membros urbanos do Partido Comunista, trabalhadores promovidos” ou diretores e funcionários sindicais nomeados diretamente pelo Partido. [74] Enquanto isso, as greves atingiram seu ponto mais alto e muitos capitalistas responderam simplesmente fechando qualquer uma de suas fábricas que ainda funcionavam, despedindo os trabalhadores e esperando para ver se eles pegariam o que pudessem e fugiriam.
O Partido desenvolveu uma política de recuperação em duas frentes. Primeiro, assinou o Tratado de Amizade, Aliança e Assistência Mútua Sino-Soviética no início de 1950, dando aos russos certos privilégios na Manchúria e garantindo um empréstimo de 300 milhões de dólares para a reconstrução da indústria. Isso foi considerado inequivocamente necessário: “os soviéticos forneceram um aliado internacional relativamente forte e absolutamente vital”, dado o embargo dos Estados Unidos e o bloqueio militar da costa leste e a completa ausência de quaisquer rotas terrestres entre a China e outras nações industrializadas. De igual importância, talvez, foi o patrocínio da única potência nuclear do mundo fora dos EUA em uma época em que o General MacArthur estava ameaçando a China e a Coréia com ataques nucleares. Logo depois que o tratado foi assinado, a URSS começou a enviar a primeira leva de técnicos para a China - especialmente para a região Nordeste - com a tarefa de fazer a produção voltar a funcionar e treinar uma nova geração de engenheiros chineses.
O segundo componente do plano de recuperação era a "política de coexistência" estabelecida no "Programa Comum". Formulado no final de 1949, o programa foi solidificado nos anos de guerra e consolidação política que se seguiu. O objetivo era completar a “revolução burguesa” nas cidades, utilizando os elementos do capitalismo “que são benéficos e não prejudiciais à economia nacional”. Em outras palavras, "controlar, não eliminar, o capitalismo". [75] O que isso significava efetivamente o apaziguamento dos capitalistas urbanos remanescentes, que seriam gradualmente comprados de suas próprias indústrias pelo estado em troca de oferecer sua expertise ténica para o projeto de recuperação e desenvolvimento industrial.
O tamanho do setor privado neste período era significativo. Embora representasse apenas 55,8% do valor bruto da produção da indústria como um todo, a produção privada representava cerca de 85% do total das vendas no varejo - o que a tornava central para a circulação de mercadorias. Ao mesmo tempo, o Partido buscava cultivar e utilizar a produtividade do setor privado, mas também procurava conter sua volatilidade: “a política comunista nesta fase era lutar contra a atividade especulativa por um lado, ao mesmo tempo ajudando no desenvolvimento de negócios privados normais. ” A bolsa de valores de Xangai foi fechada e todos os fundos do governo foram concentrados nos bancos estaduais. Isso desacelerou a produção, causando o fechamento de bancos privados e “um em cada dez estabelecimentos comerciais”. [76]
O Partido respondeu com um estímulo maciço, com o Estado fazendo compras a preços garantidos para bens produzidos de forma privada e dando diferenciais especiais de preços no atacado para grandes empresas comerciais, a fim de encorajar o fluxo de bens no mercado interno. A eclosão da Guerra da Coréia garantiu esse relacionamento, pois a demanda por suprimentos militares disparou. Os negócios estavam tão bons que “muitos industriais importantes, que antes haviam retirado seu capital da China, agora ganharam confiança na política comunista e voltaram”, [77] trazendo com eles novo capital e pessoal técnico.
Da receita gerada pelo novo boom industrial nas cidades portuárias, o estado assumia uma participação cada vez maior na forma de impostos, que logo seriam usados como base para novas ondas de industrialização estatal. O crescimento do setor privado neste período foi robusto o suficiente para reacender os temores sobre uma continuação incontrolável da transição para o capitalismo já em andamento, na qual as energias comerciais transbordariam das tentativas do Partido de controlá-las. Portanto, depois que a reforma agrária foi concluída e o sistema bancário totalmente nacionalizado, o estado começou a restringir a indústria privada com o lançamento da campanha “Cinco Anti” em janeiro de 1952, que tentou desencadear a raiva reprimida dos trabalhadores contra seus empregadores privados em um forma que facilitaria o início da nacionalização industrial.
Canalização do descontentamento
Muitos trabalhadores urbanos se sentiram desapontados ou traídos com a continuação do nas cidades portuárias, e no início dos anos 1950 assistiu-se a um lento aumento da agitação nas fábricas. O novo Estado respondeu a essa insatisfação de várias maneiras. Primeiro, as concessões foram feitas a muitos trabalhadores. Os salários aumentaram e os meios de subsistência da maioria dos trabalhadores urbanos foi significativamente melhorada - não necessariamente uma tarefa difícil, uma vez que a paz por si só foi uma melhoria em duas décadas de guerra e ocupação. Em segundo lugar, novas organizações de massa foram criadas, incluindo novos sindicatos e um Conselho Trabalhista nacional, em uma tentativa de fornecer meios menos prejudiciais economicamente para resolver queixas no local de trabalho. [78] Embora essas novas organizações frequentemente se mostrassem desajeitadas e indiferentes, inicialmente ainda eram vistas como uma ferramenta importante para a reorganização da indústria e para a devolução de mais poder aos trabalhadores.
Finalmente, quando os salários e outras concessões não puderam mais ser aumentados e os novos sindicatos passaram a correr o risco de desencadear outra tomada explosiva do poder pelos trabalhadores, o Partido respondeu com o "Movimento de Reforma Democrática", seguido pelos movimentos Três e Cinco-Anti, que pretendiam começar a reforma da indústria e vasculhar o novo sistema industrial em busca de traços de corrupção e infiltração de antigos chefes de turma, membros de sociedades secretas e simpatizantes nacionalistas que buscavam restaurar o poder que haviam perdido ao se incorporarem ao Estado-Partido em desenvolvimento.
No auge da campanha Cinco-Anti, "milhões de trabalhadores e empregados foram mobilizados para denunciar seus empregadores [e] um resultado das muitas denúncias públicas dos capitalistas foi o grande aumento de suicídios de empresários." [79] Isso foi essencialmente uma extensão dos métodos de reforma agrária às cidades, cedendo à ira dos trabalhadores e ao mesmo tempo proporcionando lucros inesperados ao novo estado, que confiscou mais de 1,7 bilhão de dólares na forma de multas a empresas privadas por terem se envolvido em “várias transações ilegais”. Isso também significou que o capital de giro das empresas privadas caiu na mesma proporção, até que "as empresas privadas foram amplamente reduzidas a conchas vazias". [80]
Embora tenham sido bem-sucedidos em impedir os trabalhadores de uma tomada direta de poder e em paralisar a influência do capital privado, esses programas levaram a uma queda na produção, já que trabalhadores e quadros sindicais eram constantemente mobilizados em ataques contra seus empregadores e empresas eram privadas de seu capital de giro em todo o país. O movimento Cinco-Anti, em seu auge, “fez com que várias empresas parassem de operar e interferiu na produção de muitas outras” [81], ao mesmo tempo em que estabeleceu um precedente perigoso de dar aos trabalhadores poder sobre seus gerentes e proprietários de empresas. Temendo a estagnação econômica e novas demandas de tomada de empresas pelos trabalhadores, o Partido começou a retroceder no movimento reformista.
Ao mesmo tempo, reorientou a economia em torno do Estado, criando toda uma infraestrutura comercial para substituir os restritos mercados do setor privado. Este período viu um grande aumento no número de empresas estatais e lojas de varejo. “No final de 1952, havia mais de 30.000 lojas estatais em todo o país, ou 4,7 vezes a de 1950.” [82] O Partido fundiu as cooperativas de abastecimento e comercialização rural com novas cooperativas de consumidores urbanos, lojas estatais e outras cooperativas em uma única "rede comercial socialista", triplicando as vendas totais no varejo controladas pelo comércio estatal e aumentando as vendas do comércio cooperativo em cinco vezes entre 1950 e 1952. O efeito foi tão pronunciado no varejo quanto foi no comércio atacadista, com a influência das cooperativas e empresas estatais triplicando em cada setor. O comércio exterior, por sua vez, foi quase inteiramente entregue ao Estado, que, em 1952, controlava 93% de todo o comércio internacional. [83]
De tudo isso, é importante lembrar que os ganhos do início dos anos 50 foram amplamente aceitos. Apesar da decepção e agitação, a maioria dos trabalhadores limitou seus ataques ao nível empresarial. Houve poucas ondas de greve verdadeiras nestes anos e o Partido manteve a confiança da vasta maioria da população. A campanha Cinco-Anti em 1952 é "geralmente considerada como o ponto alto da influência dos trabalhadores e sindicatos na indústria privada", [84] uma vez que o controle direto dos trabalhadores sobre suas próprias empresas aumentou juntamente com aumentos comparáveis nos salários, bem-estar social e meios de subsistência gerais. O consumo per capita de alimentos nas cidades atingiu um pico entre 1952 e 1955, com 241 kg de grãos consumidos por pessoa por ano em 1952 e 242 kg em 1953. Esses números caíram lentamente pelo resto da década de 1950, depois catastroficamente durante o Grande Salto para Frente (1958-1960; doravante GSF), após o qual o consumo alimentar per capita não aumentaria acima de 240 kg novamente até 1986. [85]
A era da “Nova Democracia”, então, não foi causada principalmente, ou mesmo significativamente definida pela ideologia mecânica que a liderança do Partido usou para justificá-la. Foi uma resposta pragmática a vários limites materiais simultâneos do projeto comunista, no qual a colaboração com os capitalistas remanescentes foi vista (corretamente ou não) como necessária. Enquanto isso, concessões foram feitas aos trabalhadores em troca de seu endosso limitado à política - concessões que incluíam o envolvimento dos próprios trabalhadores na expulsão (e muitas vezes no suicídio) de muitos de seus empregadores.
Este período de desenvolvimento industrial urbano, combinado com a era da reforma agrária no campo, pode, portanto, ser visto como a continuação momentânea da transição para o capitalismo que foi abandonada e reiniciada várias vezes na história recente do país. O Partido entendeu assim, designando este período como a conclusão da “revolução burguesa” nas cidades portuárias. Isso deu ao fenômeno um encaixe perfeito na mitologia determinista do Stalinismo, mas esse encaixe foi simplesmente o uso de recursos teóricos disponíveis para justificar uma ação pragmática em andamento. A fidelidade teórica ao Stalinismo foi, no mínimo, o resultado, e não a causa, das tendências industriais dos anos imediatamente posteriores ao fim da guerra civil.
Nações à Estatizar
Os primeiros anos após 1949 foram também um período em que o Partido teve tempo para experimentar suas próprias formas de administração industrial e se preparar para a interrupção da transição capitalista, a expropriação das elites urbanas e a implementação de um sistema educacional nacional, aberto ao povo, independentemente da origem de classe. A região nordeste havia caído sob o controle dos revolucionários e grande parte de sua estrutura industrial foi transferida diretamente para a administração pelos trabalhadores (seguidos pelos técnicos soviéticos) emparelhados com a propriedade do Estado. Foi, portanto, uma das primeiras regiões em que se iniciaram experimentos com formas de produção não capitalistas.
Ao mesmo tempo, a Manchúria era o nome de um problema de geografia. Os bens industriais precisavam não apenas ser produzidos - algo que a autogestão dos trabalhadores certamente era capaz - mas também distribuídos em todo o país para reconstruir cidades devastadas pela guerra, construir moradias para milhões de favelados urbanos e modernizar a agricultura. O sistema elétrico teve que ser estendido para o resto do país, ferrovias e rodovias tiveram que ser construídas e escolas e instalações médicas tiveram que ser construídas, equipadas e abastecidas em todo o país.
O Partido e os militares eram as duas únicas organizações nacionais ainda existentes após o término da Guerra Civil. Isso significava que eles eram os únicos meios disponíveis de coordenação, distribuição e facilitação da produção no dia-a-dia. Esses problemas acabariam por levar à fusão completa do Partido e do Estado ao longo da era socialista. Mas esse não era de forma alguma o único resultado possível. Na verdade, o caminho de menor resistência parecia apontar em uma direção muito diferente. Historicamente, os detentores do poder nas dinastias anteriores achavam muito mais fácil governar à distância. Para uma região tão grande e diversa como o continente asiático, essa estratégia provou, por milênios, ser mais barata e mais eficaz do que suas alternativas. As antigas dinastias supervisionaram a atividade militar, cultivaram as camadas superiores da burocracia e asseguraram a construção de projetos de infraestrutura em grande escala, mas, além disso, o alcance do Estado raramente se estendia até o fim.
Foi precisamente esse fenômeno de quase-apatridia local que fez o anarquismo parecer, desde o início, ser o "caminho revolucionário mais promissor", uma vez que "correspondia mais de perto à realidade da existência social". Os Estados anteriores, embora tecnicamente enormes em termos de geografia e população, estavam em muitos aspectos apenas minimamente conectados aos lugares e pessoas sob seu domínio:
Afinal, a grande maioria da população vivia sem relação com o Estado, cujos funcionários quase nunca chegavam ao nível da aldeia e cujas taxas e regulamentos eram em sua maioria administrados por membros da elite local, com laços com suas comunidades que eram muitos e variados. As vidas das pessoas foram marcadas por várias formas de comunidade e solidariedade - autoajuda, religiosa, cerimonial, clã, ciclo de trabalho e rede de mercado - e essas formas de solidariedade tornaram muitas comunidades capazes de resistência e mobilização face às ameaças externas, incluindo o alcance autoritário imperial. [86]
Muitos anarquistas esperavam fortalecer essas formas locais de resistência em um movimento revolucionário igualitário com o objetivo de expandir os potenciais de apatridia já presentes na cultura das aldeias chinesas. Essas tentativas, no entanto, falharam sistematicamente. Vários dos anarquistas mais proeminentes na China, incluindo Li Shizeng, Wu Zhihui, Zhang Ji e Zhang Jingjiang, finalmente se juntaram e tiveram papéis de liderança dentro do Partido Nacionalista, sentando em seu comitê central e formando relações estreitas com Chiang Kai-Shek e outros membros da direita do GMD. Aqueles que mantiveram sua crença em uma revolução igualitária e essencialmente comunista, diante dos fracassos do anarquismo, migraram para o recém-fundado PCCh. [87]
Os fracassos do movimento anarquista do início do século 20 e a longa história de formas quase apátridas de exploração levaram muitos desses jovens radicais a adotar estratégias destinadas a quebrar a herança dinástica por meio da construção de um Estado forte. Ao contrário da abordagem direta do Estado imperial ao governo local, no entanto, o novo Estado se estenderia até as pessoas comuns, que se tornariam seus constituintes básicos. Com isso, esse Estado se tornaria cada vez mais transparente e poroso, e suas atividades visíveis e acessíveis no nível local. Os ideais anarquistas foram preservados marginalmente nesta visão, que veria a auto-organização local incorporada ao funcionamento básico de uma nova forma de governo. A categoria populista do “povo” se concretizaria por meio de sua fusão imediata com esse aparato administrativo, tornando o próprio Estado comunal.
Ao mesmo tempo, a URSS foi tida como um exemplo emblemático, embora profundamente falho, de um sistema não capitalista que foi capaz de sobreviver em relativo isolamento, evitando invasões militares e embargos econômicos. A burocracia e a brutalidade que acompanharam as mudanças internas de poder dentro da URSS não eram de forma alguma invisíveis para os comunistas chineses - muitos tinham, afinal, implorado ao Comintern para apoiá-los no rompimento dos laços com os nacionalistas na década de 1920, apenas para terem seus apelos primeiro rejeitados e depois horrivelmente justificados, quando foram forçados a assistir seus amigos e entes queridos serem sistematicamente massacrados. No entanto, a URSS foi o único exemplo mundial de uma sociedade moderna que também era substancialmente não capitalista. [N.E: Para uma interepretação crítica do caráter capitalista do socialismo soviético, Cf. O colapso da Modernização, Kurz, R.] Talvez mais importante, foi também a única nação industrial com a qual a China compartilhava uma fronteira terrestre acessível. Isso o tornava uma ameaça militar e basicamente a única opção de ajuda internacional para auxiliar o desenvolvimento. Esse relacionamento se tornaria cada vez mais importante à medida que os Estados Unidos instituíssem o embargo ao litoral chinês.
As questões da construção de uma economia nacional e de um Estado nacional que a acompanha também foram um dos poucos lugares onde os recursos teóricos e empíricos disponíveis tiveram um sério efeito de distorção na estratégia do Partido. Crescendo a partir do fracasso material dos projetos anarquistas e liberais, o único caminho revolucionário alternativo era cada vez mais visto como envolvendo a construção de uma economia nacional que atuaria como uma ponta de lança na revolução comunista global. Mas a conexão entre o projeto de desenvolvimento nacional e a revolução global subsequente foi, na melhor das hipóteses, tênue. Embora uma estratégia tenha começado a se formar em torno da construção de uma nova política nacional chinesa, nenhuma estratégia surgiu imediatamente sobre como uma China em guerra e sob embargo poderia ajudar na propagação da revolução global.
Muitos fatores materiais impediram as decisões durante esse período. A população chinesa estava subnutrida, mal armada e cercada por uma guerra quase constante por toda uma geração. A continuação dessa guerra
para liberar mais território além das fronteiras nacionais pré-existentes não era imediatamente viável. A Guerra da Coréia foi, na verdade, um teste dessa capacidade, pois os chineses vieram em auxílio dos coreanos e lutaram contra os militares dos EUA até o impasse. Embora o exército de camponeses analfabetos quase famintos da China tenha sido capaz de conter os militares mais avançados do mundo, os riscos do esforço militar eram enormes e seu resultado basicamente impedia uma maior expansão internacional.
Além disso, o próprio PCCh havia sido reformatado por seus anos no interior da China. Anteriormente, as principais mentes do Partido, como Chen Duxiu e Wang Ming, eram inequivocamente internacionalistas e lançaram críticas contra as tendências nacionalistas crescentes dentro do próprio Partido. Muitos dos soldados rasos do Partido eram, neste período, trabalhadores e sindicalistas nas cidades portuárias, seu cotidiano marcado pelo contato cosmopolita com trabalhadores, técnicos e revolucionários de várias inclinações de todo o mundo - mas especialmente da Europa e as colônias do Sudeste Asiático.
Ao mesmo tempo, líderes como Chen e Wang eram dogmáticos obstinados, apegados demais às decisões do Comintern dominado pela Rússia, cegos às falhas da URSS, crentes firmes na universalidade de seu caminho para a revolução, desprezando os pré -conflitos sociais em grande escala existentes no campo chinês, e dedicados ao marxismo mais mecânico e ao otimismo ingênuo. O resultado foi que suas tentativas de insurreição urbana falharam, sua subordinação voluntária ao Comintern resultou em uma aliança impopular e, em última análise, desastrosa com os nacionalistas, e a primeira encarnação do Partido foi essencialmente destruída.
Um resultado secundário disso, no entanto, foi que os principais internacionalistas do Partido foram desacreditados, rebaixados e substituídos por figuras cuja estratégia previa um papel muito mais primário para o projeto de desenvolvimento nacional em relação à expansão internacional da revolução comunista. Isso não quer dizer que Mao ou outros estivessem puramente interessados no desenvolvimento nacional chinês ou que não tivessem uma estratégia internacional. Mas, enquanto o antigo PCCh foi formado em uma era de revolução internacional quando a derrubada de regimes no coração da Europa ainda parecia plausível, o novo PCCh emergiu em um mundo esmagado sob o calcanhar de impérios reacionários, nos quais os movimentos revolucionários mais esperançosos tinha sido desmembrado e os militares dos países imperiais estavam inchados com a guerra.
As tendências nacionalistas do novo PCCh não podem, entretanto, ser puramente reduzidas às inclinações teóricas ou estratégicas da sua liderança. O apoio em massa à hegemonia do Partido do projeto comunista transformou o próprio projeto. Com base em um campesinato analfabeto, em grande ligado à terra, que falava "dialetos" muitas vezes incomunicáveis, não havia nenhuma vantagem cosmopolita ou global inata à nova base de apoio do Partido. Ao mesmo tempo, nenhuma cultura ou entidade política antiga e distintamente “chinesa” se estendia para as profundezas obscuras da história. O projeto igualitário foi entendido como a ligação, pela primeira vez, de nações regionalmente distintas e díspares em uma entidade política equitativa de maior escala e interconexão do que a maioria das pessoas já havia experimentado em sua vida cotidiana. O próximo estágio disso - expansão global - teria parecido apenas uma possibilidade distante, inteiramente dependente da primeira.
Além disso, deve ser lembrado que a estratégia do PCCh de construção do Estado era popular não tanto por algum suposto apego cultural a um Estado forte, mas precisamente por causa da reinvenção prometida pelo Partido das funções do Estado recém estendido. Mais uma vez, o campesinato chinês tinha, tradicionalmente, vivido uma vida quase apátrida, marcada por várias formas de comunidade e solidariedade. Mas a quase apatridia da aldeia era na realidade mais um amálgama de microestados, e cada forma de comunidade e solidariedade (familiar, religiosa, comercial) era na verdade a designação de territórios controlados por micro-monarcas sobrepostos (patriarcas, sacerdotes, comerciantes).
Essa confederação balcanizada de regimes menores estava, de certa forma, ligada à burocracia de jure da dinastia governante. Os bandidos locais associados a clãs específicos podem coletar impostos dos aldeões, obtendo uma parte para si antes de entregar o restante aos governadores de alto escalão. Da mesma forma, padres ou aristocratas treinados na erudição confucionista podem agir para reprimir a dissidência contra o regime mais amplo. Mas, na maior parte, a vida cotidiana via pouco contato com o estado como tal, enquanto o contato regular com esses microestados não era entendido como contato com um estado, mas sim em termos de cerimônia, tradição, autogoverno Confucionista, etc.
Depois que as tentativas anarquistas de utilizar formas indígenas de solidariedade e comunidade fracassaram, tanto os comunistas quanto os republicanos se voltaram para o Estado forte como alternativa. Mas, enquanto os nacionalistas, na prática, enfatizavam a força disciplinar do Estado contra a população, os comunistas enfatizavam tanto seu poder redistributivo quanto sua capacidade de coordenação. O Estado a ser construído não era apenas aquele que se estendia até o fundo, mas aquele que, quando enraizado no local, também conectaria aquela localidade à riqueza social geral. A criação da China foi, portanto, um projeto econômico. Foi essa promessa, acima e além de qualquer mitologia nacionalista, que acumulou apoio para o programa do PCCh entre a maioria camponesa do país.
NOTAS
[1] Jean-Laurent Rosenthal e R. Bin Wong (Before and Beyond Divergence: The Politics of Economic Change in China and Europe. Harvard University Press, 2011, p. 101) argumentam que isso ocorreu porque a guerra na Europa empurrou esse tipo de produção para áreas urbanas protegidas, enquanto na China a guerra foi mais esporádica no último milênio. Somente no longo prazo isso beneficiou a Europa, colocando-a em um caminho diferente, intensivo em capital, muito antes. Nos baseamos em Rosenthal e Wong aqui não por sua comparação Europa-China, mas para fornecer uma visão de longo prazo da relação entre a produção e a divisão rural-urbana na China.
[2] Ibid. pp. 101 and 110. Eles argumentam que, em geral, a força de trabalho é mais barata no campo do que na cidade, e para o capital o inverso é verdadeiro. A guerra europeia levou à cidade uma produção mais intensiva em capital. Para uma China mais pacífica, o cálculo era diferente, e a manufatura ficou mais rural por causa do custo mais barato do trabalho (106-7).
[3] Ibid. p. 111.
[4] Jacob Eyferth, Eating Rice from Bamboo Roots: The Social History of a Community of Handicraft Papermakers in Rural Sichuan, 1920-2000. Harvard University Press, 2009; Jeremy Brown, City Versus Countryside in Mao’s China: Negotiating the Divide. Cambridge University Press, 2012.
[5] Kathy Le Mons Walker, Chinese Modernity and the Peasant Path: Semicolonialism in the Northern Yangzi Delta. Stanford University Press, 1999, pp. 37-39.
[6] Ibid. p. 41-7.
[7] Philip Richardson, Economic Change in China, c. 1800-1950. Cambridge University Press, 1999, p. 69.
[8] Walker 1999, p. 10; Philip Huang, The Peasant Family and Rural Development in the Yangzi Delta, 1350-1988. Stanford University Press, 1990, p. 60.
[9] Huang (1990), p. 105.
[10] Ibid.
[11] Timothy Brook, The Confusions of Pleasure: Commerce and Culture in Ming China. University of California Press, 1998, p. 199.
[12] Huang 1990.
[13] Cf. Richardson 1999, p. 26; Rosenthal and Wong 2011, cap. 4.
[14] Ho-fung Hung, “Agricultural Revolution and Elite Reproduction in Qing China: The Transition to Capitalism Debate Revisited,” American Sociological Review 73(4), August 2009, pp. 569-588.
[15] Richardson, 1999, chp. 6; Daniel Little, Understanding Peasant China: Case Studies in the Philosophy of Social Science. Yale University Press, 1989, chp. 4.
[16] A subsunção formal é um momento em que um processo de trabalho pré-existente é trazido para o mercado capitalista, mas o processo de trabalho ainda não foi transformado. O exemplo do texto aponta para um momento em que a agricultura chinesa é subsumida no mercado capitalista global por meio do sistema de mercado doméstico, mas a maneira como as pessoas trabalham não é significativamente transformada no processo. O que muda são os preços que os agricultores e comerciantes recebem pelos produtos agrícolas que estão vendendo, mesmo que ainda os produzam da mesma forma.
[17] Richardson 1999, p. 73.
[18] Mark Selden, The Political Economy of Chinese Socialism. M.E. Sharpe, 1988, p. 159.
[19] Richardson 1999, pp. 26-27. Estes número são estimativas gerais. Alguns estudiosos argumentam que as taxas de crescimento até a invasão de 1937 pelos japoneses eram maiores, mas tais números foram fortemente criticados (Cf. Richardson 1999 para a discussão).
[20] Margherita Zanasi, Saving the Nation: Economic Modernity in Republican China. University of Chicago Press, 2006.
[21] Nicholas R. Lardy, Agriculture in China’s Modern Economic Development. Cambridge University Press, 1983, p. 12.
[22] Para uma revisão do papel dos comunistas no movimento trabalhista de Xangai, Cf. Patricia Stranahan (1994). “The Shanghai Labor Movement, 1927–1931”. East Asian Working Paper Series on Language and Politics in Modern China.
[23] Zhongguo gongchangdang lishi, 1919-1949 (History of the Chinese Communist Party, 1919-1949), Beijing: Renmin chubanshe, 1991, vol. 1, p. 216.
[24] C.F. Remer, Foreign Investments in China. New York, MacMillan, 1933. p. 76.
[25] Chu-Yuan Cheng, Communist China’s Economy, 1949-1962: Structural Changes and Crisis. Seton Hall Univeristy Press, 1963. p. 4
[26] Ibid. p. 4-5. Para mais detalhes, cf. a própria citaçao de Cheng [texto não romanizado]: Wu, Chiang, “Certain Characteristics in the Economic Developments of China’s Capitalism,” Ching-chi Yen-chiu (Economic Research), Vol 1., No. 5 (Peking: December 1955) p. 64.
[27] Ibid. p.5
[28] Para detalhes sobre como isso se concretizou nas cidades portuárias da época, cf.: Linda Cooke Johnson, “Shanghai: An Emerging Jiangnan Port, 1638-1840,” in Linda Coooke Johnson, ed., Cities of Jiangnan in Late Imperial China. Albany State University of New York Press, 1933. pp. 171-4. Para mais detalhes sobre a indústria têxtil cf.: Feuerwerker, “Handicraft and Manufactured Cotton Textiles 1971-1910,” Journal of Economic History, 30:2, 1970, pp. 371-5. Mais detalhes sobr a campanha de industrialização de Chen Jitang em Guangzhou, cf. Alfred H. Y. Lin, “Warlord, Social Welfare and Philanthropy: The Case of Guangzhou under Chen Jitang, 1929-1936,” Modern China, 30:2, April 2004, pp.151-198. Para uma visão geral, cf. Giovani Arrighi, Adam Smith in Beijing. New York, Verso. pp. 336-344.
[29] Cf: Stephen Andors, China’s Industrial Revolution: Politics, Planning and Management, 1949 to the Present. Pantheon Books, NY. 1977. pp.32-33.
[30] Ibid.
[31] Ibid. p.33
[32] Fei-ling Davis, Primitive Revolutionaries of China: A Study of Secret Societies of the late Nineteenth Century. University Press of Hawaii, Honolulu. 1971. pp 171-172.
[33] Andors 1977, p.34
[34] Chang Liu, Peasants and Revolution in Rural China. Routledge, 2007.
[35] Ibid. p. 47.
[36] Ibid. p. 98; Alexander F. Day, “A Century of Rural Self-Governance Reforms: Reimagining Rural Chinese Society in the Post-Taxation Era,” The Journal of Peasant Study 40(6), 2013, p. 937.
[37] Li Fangchun, “Class, Power and the Contradictions of Chinese Revolutionary Modernity: Interpreting Land Reform in Northern China 1946-48,” PhD Thesis, University of California, Los Angeles, 2008, p. 3.
[38] “Cadre” aqui é uma tradução do termo “ganbu,” que designa partido e funcionários do Estado. O termo pode ser usado no singular ou no plural. Embora muitas vezes não fique claro os leitores de língua, a tradução se tornou padrão em toda a literatura, por isso a usamos para manter a consistência com nossas fontes.
[39] Carl Riskin, China’s Political Economy: The Quest for Development Since 1949. Oxford University Press, 1987, p. 50.
[40] Victor Lippit (Land Reform and Economic Development in China: A Study of Institutional Change and Development Finance. Routledge, 1975) sees the facilitation of industrialization as the main benefit of the CCP’s rural policies.
[41] Cf. Cheng, pp.6-7.
[42] Para números exatos, ver: Ibid. p.8.
[43] David Tucker, “Labor Policy and the Construction Industry in Manchukuo: Systems of Recruitment, Management, and Control” in Paul H. Kratoska, Ed., Asian Labor in the Wartime Japanese Empire. ME Sharpe, Inc. , 2005, p.28.
[44] A semelhança com o sistema atual de trabalho migrante rural da China com base na classificação hukou é notável.
[45] Tucker, p. 28.
[46] Ibid. p.29
[47] Ibid.
[48] Ibid. p.36
[49] Ibid. pp.31-32
[50] Ibid. p. 49-50
[51] Jairus Banaji, Theory as History. Haymarket, Chicago IL, 2010, p.62
[52] Cheng, pp.8-9.
[53] Dieter Heinzig, The Soviet Union and Communist China, 1945-1950: The Arduous Road to the Alliance. East Gate, New York City, NY. 1998. p.101
[54] Andors 1977, p.45
[55] Andors 1977, p.44
[56] See Table 1 in Cheng, p. 14
[57] Cheng, p.14.
[58] Ellen Meiksins Wood, The Origin of Capitalism: A Longer View. New York, Verso, 2002. p.13
[59] Ibid. p.15
[60] p.201
[61] Jackie Sheehan, Chinese Workers: A New History. London, Routledge, 1998. P.17
[62] Ibid. p.18
[63] Ibid. p.15
[64] Ibid. p.16
[65] Cf. Andors, 1977, pp.44-45 for an overview of these problems.
[66] Uma revisão da literatura sobre a Manchúria em tempo de guerra mostra que havia grande medo entre muitos comunistas chineses de que os russos simplesmente se apoderassem da Manchúria e possivelmente de toda a península coreana após expulsar os japoneses.
[67] Cf. Arif Dirlik, Anarchism in the Chinese Revolution. University of California Press, 1991. pp100-109.
[68] Andors, 1977, p.45
[69] ibid, p.48
[70] Ibid.
[71] Ibid.
[72] Ibid, p.49
[73] Cf. Sheehan, pp.25-26.
[74] Andors 1977, p.49
[75] A frase vem dos princípios de Mao sobre a Nova Democracia, citada por Maurice Meisner, Mao’s China and After: A History of the People’s Republic. The Free Press, New York, 1977. p.59
[76] Cheng, pp.65-66
[77] Ibid. pp.66-67
[78] Cf. Sheehan, pp.23-34.
[79] Cheng, p.67
[80] Ibid. p.68
[81] Sheehan p.42
[82] Cheng, p.68
[83] Ibid.
[84] Sheehan, p.42.
[85] Mark Selden, The Political Economy of Chinese Development. M.E. Sharpe, New York, 1993. p.21, Table 1.3
[86] Christopher Connery, “The Margins and the Center: For a New History of the Cultural Revolution.” Viewpoint Magazine. Issue 4: The State. September 28, 2014.
[87] Novamente, cf. Dirlik, 1993 for an overview, particularly Chapter 7. Also see: Peter Zarrow, Anarchism and Chinese Political Culture. Columbia University, New York, 1990.